Se há uma coisa que só acontece no interior eu acho que é o fato de que, sabendo que todo mundo se conhece, as coisas ficam menos burocráticas.
Se você é filho de não sei quem, amigo de fulano ou parente de sicrano, sempre se dá um jeitinho de facilitar as coisas.
Como todos de uma forma ou de outra se conhecem, gentilezas é moeda corrente no nosso “way of life”.
Hoje as coisas mudaram bastante. A cidade já não tem mais os 25000 habitantes de outrora (esse número mais que dobrou!), e a migração fez com que novas famílias se incorporassem a nossa comunidade.
Mas, nos tempos da máquina de escrever e da vitrola, havia um jeito ser bem mais descompromissado.
Fazia-se vista grossa para quase tudo que não fosse extremamente prejudicial à coletividade. Parar seu carro dez minutos em cima da faixa de pedestres não dava multa, cortar mortadela com faca e segurar a peça debaixo do braço não era incomum, nem dava reclamação na Vigilância Sanitária. Vender bebidas alcóolicas para menores...
Quase tudo era permitido desde que não fosse escandalosamente ilegal.
Desde muito pequeno sou sócio de um clube, o Athlético. Posso dizer que passei a maioria de meus verões dentro dele, usufruindo de suas quadras e principalmente de sua piscina.
E era na piscina que vi coisas que só Deus não duvida, devido a sua onipresença.
Minha cidade era daquelas que tinha um médico de família que praticamente era da família. Minha geração quase inteira chegou ao mundo por suas mãos. Ele conhecia todo mundo e todo mundo o conhecia.
E esse mesmo médico era responsável pelos exames que são obrigatórios para que se possa freqüentar uma piscina.
Quando chegava o verão todos corriam para comprar sua ficha médica no clube e depois levar para o “Doutor” assinar.
Pois era aí que a coisa começava a ficar engraçada.
Compreende-se por exame médico de verão uma vistoria completa no corpo do requerente a fim de se encontrar possíveis micoses ou doenças que poderiam contaminar a água da piscina e colocar a saúde dos demais associados em risco. Isso não significa que o exame era feito seguindo-se esse padrão de conduta...
Lembro-me da primeira vez que levei minha “fichinha” para o “Doutor” assinar. Assim que me viu, ele me reconheceu. “ - Você é filho da Célia, né? Como vai sua mãe?”
E assinou a ficha sem ao menos perguntar se estava tudo bem comigo. Nem precisava. Afinal eu era filho da Célia... Assim como o amigo que me acompanhava, o Fabian era filho da Jacira, como o Charles era filho da Nice...
Nosso atestado de saúde era baseado em nossos pais!
Com o passar do tempo nem víamos mais a cara do “Doutor”. A secretária levava a “fichinha” para dentro do consultório e voltava com ela assinada, sem que ao menos se soubesse quem era o cidadão.
No auge da confiança extrema, a própria secretária assinava a “fichinha”! Tenho uma amiga que levou a tal “fichinha” para assinar e viu com os próprios olhos a secretária entrar no consultório e sair em 30 segundos com a ficha assinada. Assim que saiu de lá cruzou com o “Doutor” chegando para trabalhar...
Quando a coisa descambou mesmo, a secretária dele assinava a “fichinha” na nossa frente. Ou nos mandava procurar o “Doutor” no Bar Bacana. Ali, no balcão do bar, com uma xícara de café numa mão e uma caneta na outra, foram feitos muitos exames médicos (?).
Se o sujeito tivesse hanseníase e fosse tirar uma ficha médica, fatalmente o faria sem maiores problemas.
Por incrível que pareça, nem eu, nem meu círculo de amigos, tivemos problemas de micose ou coisas do gênero. O “Doutor” devia saber o que estava fazendo...
Hoje o clube possui uma ducha que lava o seu corpo por todos os lados antes de você entrar na piscina. São fortes jatos de água que vem do teto e das paredes laterais num corredor pelo qual você é obrigado a passar.
Quando esse sistema foi implantado eu já era um adolescente e, junto com meus amigos, sempre arrumávamos um jeito de burlar a ducha, que era fria demais.
Passávamos em disparada sem dar tempo para que ela nos atingisse ou esperávamos a responsável desligá-la para só depois passar pelo corredor. Para isso ficávamos abaixados sob o vidro em que ela visualizava se ainda havia alguém por ali.
Apesar de bastante higiênica essa ducha é realmente incômoda. Seus jatos fortes e gélidos entram no ouvido, além de lhe causar um frio daqueles! Quem gosta de chegar cedo na piscina sofre...
Mas nem sempre foi assim...
Nos tempos da televisão “valvulada”, o clube não possuía essa ducha maldita. Mas também não deixava de faltar com a higiene para com os seus.
Antes de entrar na piscina você era “obrigado” a lavar os pés numa caixa rebaixada de cimento “cheia” com cinco dedos de água! Água essa que era trocada uma vez por dia!
Lá pelas 11 da manhã a coloração da água já havia mudado umas três vezes! Dizíamos que molhávamos nossos pés naquela caixa não para limpá-los e sim para sujá-los! Era realmente lamentável...
A água da piscina era trocada uma vez por ano, no inverno. Lembrou-me que no fim do verão os azulejos laterais já haviam deixado de ser azulejos para virarem “amarelejos”, “verdelejos”...
Havia uma pequena crosta de limbo em alguns pontos! Inacreditavelmente desconheço alguém que tenha adoecido por conta disso tudo.
A fama de desleixo do clube era tão forte que num domingo, ao chegar lá, me deparei com uma família de turistas brincando com uma bóia feita com câmara de ar de pneu de caminhão! Era cômico ver aquele Donnut´s preto boiando no meio da piscina.
O “responsável” pela piscina acabou vendo-se obrigado a pedir que a pequena e discreta bóia fosse retirada. “ - Isso aqui é piscina, não é rio!”
Mijar na água tudo bem, agora bóia de pneu de caminhão já é inaceitável!
Que atire a primeira pedra quem nunca deu aquela mijadinha básica numa piscina! Só que no Athético a coisa descambava...
Tenho um amigo que pedia licença para ir ao banheiro e saía do raso para a parte funda para resolver seus “problemas”... “ - O filtro dá um jeito nisso...” – dizia o pequeno canalha.
Houve um tempo em que correu um boato, que consistia no fato, de que a diretoria havia mandado jogar um produto químico na piscina que em contato com a urina ficava vermelho delatando o mijão. Nunca vi nenhum líquido vermelho na piscina, a não ser no dia em que a Marilda menstruou de repente...
No fundo da piscina era possível encontrar de presilha de cabelo a saquinho plástico! Já encontrei moeda e um pedaço de risóles! Até bem pouco tempo atrás o bar aceitava encomenda de frango assado, que era picotado e servido nas mesas à beira da piscina!
O uso de bronzeador foi proibido há alguns anos, mas no tempo em que Variant era carro era comum ver a água marrom no fim do dia. Pior eram os bronzeadores “naturais”, feitos de urucum com óleo Johnson ou de folha de figo com Coca-Cola. Esse último mandou gente para o hospital com queimaduras horríveis pelo corpo. Definitivamente, nossa piscina só perdia em sujeira para o Rio Camandocaia, que por um acaso, passa bem ao lado do clube. Dizíamos que ao sair da piscina era bom dar um pulinho no rio para não chegar tão sujo em casa...
Nós, homens, nunca fomos obrigados a usar sunga para nadar. Bermudas eram permitidas desde que não ultrapassassem o joelho! Vi garoto nadando de bermuda jeans cortada com tesoura. Mas como aquele clube não era a “Casa da Mãe Joana” ele foi proibido fazer aquilo mais do que duas vezes! Aí já era abuso...
Em compensação vi uma senhora de bermuda vermelha e camiseta branca de propaganda política se esbaldando em nossas águas...
Nunca me esqueci daquela figura obesa saindo da água com o sutiã aparecendo sob a camisa molhada. Era a beleza, a sensualidade e a pujança da mulher athléticana a disposição de nossos olhares incrédulos...
E falando em mulheres, vale a pena citar que a molecada aguardava com ansiedade a chegada de suas musas, que não eram muitas. Barangas eram predominantes em territórios athleticanos.
Ficávamos do lado oposto ao da mulherada que ia lá só para se exibir e tomar sol e quando elas chegavam a notícia corria solta. Todos a postos em seus lugares era só esperar o momento mágico em que elas, “propositalmente”, diga-se de passagem, estendiam as toalhas com seus respectivos glúteos bem torneados virados em nossa direção.
Ouvía-se aquele “frisson” típico de adolescente seguido de comentários dos mais diversos. “ - Quem será que tá comendo, hein?” – era um dos mais comuns.
Havia os mais tarados que saíam de fininho até o banheiro e só voltavam depois de homenagear suas respectivas musas. Punheta na piscina já seria demais até para o Athlético! Se bem que conheço gente que já transou lá dentro num fim de tarde qualquer...
Mas o cúmulo da “nojentice” foi quando o “Chicão Lôco” resolveu fazer um cocozinho básico dentro da piscina média! E foi embora para sua casa antes que o “submarino” emergisse.
Assim que a obra foi descoberta, todos nós que estávamos dentro da área de piscinas, fomos impedidos de deixar o local do crime. O responsável pela limpeza se recusava a nos deixar sair enquanto não descobrisse quem era o “delinqüente fi duma puta” que havia feito aquilo!
Deu o que fazer para convencer o Carlão que o dono do torôncio era o “Chicão Lôco”! Mas ele já não estava mais lá. O que não adiantou muito, pois se ele não assumisse a autoria da obra de arte, todos nós seríamos suspensos por três meses! O Athlético era assim mesmo, rigoroso...
Como a Vigilância Sanitária não fechava o Bar Bacana, não seria no Athlético que isso iria acontecer, mas acho que hoje em dia essas coisas não passariam incólumes ao crivo de nossos fiscais.
A época era outra, o mundo era outro e o Brasil era outro! Tudo funcionava meio que “nas coxas”, mas funcionava. Coisas assim aconteciam em outros lugares também. Não sei, se com tanta constância, mas devia acontecer em todos os clubes da cidade.
E é inexplicável como tudo isso é relembrado com saudades... Escrevi essa crônica depois de passar a tarde de ontem na mesa de um bar relembrando essas “tosqueiras” com o Pavão e o Márcio.
Todos estão vivos e saudáveis até hoje, mas ainda acho incompreensível que isso tudo tenha acontecido por tanto tempo sem que se tomasse uma providência. Ao menos nos serviu para darmos boas risadas e me inspirar a mais uma crônica...
sábado, 10 de maio de 2008
“A MULHER PERFEITA EXISTE”
Assim como as mulheres, nós homens também sonhamos em encontrar a parceira ideal. E por mais improvável que isso possa parecer, assim como o nosso sexo oposto, também fantasiamos a mulher que planejamos, um dia, encontrar.
Longe de mim estabelecer regras de beleza para definir o que é bom ou ruim no âmbito físico, vemos beleza nos lugares mais inverossímeis que se possa imaginar. É tudo uma questão de gosto e ponto de vista.
Mais do que uma Vênus, esperamos da mulher uma atitude que nos satisfaça por completo. Que nos dê a certeza de que nosso metro quadrado é só nosso. Nosso instinto libertário e libertino já nasce conosco, e nos parece intocável até que nos dobremos ao primeiro par de pernas que cruzam nossa frente e nos vende a razão.
Eu poderia me utilizar de páginas e mais páginas para expor nossos desejos, construir um estereótipo da mulher perfeita, mas para não tomar demais o meu e o seu tempo vou usar de uma fórmula simples que sintetiza quase tudo que esperamos de nossa parceira perfeita.
Para isso, ao invés de argumentos conclusivos, vou escrever boa parte das frases que gostaríamos de ouvir de nossas tão estimadas mulheres.
Não comentarei nenhuma delas, pois as mesmas, de forma antagônica, fazem parte do cotidiano de qualquer homem que tenha tido o prazer de conviver com uma mulher debaixo do mesmo teto, seja em casamento ou em uma relação “estável”.
Hei-las:
- “Hoje vai ter futebol na TV, né? Acho que vou ver a novela na minha mãe pra não te atrapalhar... Quer que eu estoure uma pipoquinha pra você?”
- “Preciso te contar uma coisa... Mas na hora da novela eu falo... Você tá assistindo o Jornal Nacional agora... Desculpa.”
- “Tenho uma notícia boa! Nosso time contratou o Zé Calanga! Não é o máximo? Ele vai jogar pelo meio, avançando pela direita.”
- “Depois que você se enxugar pode deixar a toalha em cima da cama que eu penduro.”
- “Não vai ao bar hoje, amor? Você precisa espairecer um pouco com seus amigos...”.
- “Acelera amor! Passa logo essa lesma aí na frente...”.
- “Deixa de ser sem educação e dá um beijo na sua amiga! Faz tanto tempo que vocês não se vêem!”
- “Esqueci de te dizer... Sua amante ligou hoje à tarde e disse que se você estiver muito cansado não precisa ir hoje. Coitadinha... Faz um esforço, vai...”.
- “Que é isso meu anjo... Qualquer um esquece a data de aniversário de casamento... Você deve estar muito cansado! Quer que eu abra uma cerveja?”
- “Eu acho tão bonito essa forma carinhosa com que você e suas amigas se cumprimentam! Acho esses selinhos uma forma de afeto tão sincero...”.
- “Achei tão engraçado ver você chegando do bar trançando as pernas! Você precisa fazer isso mais vezes...”.
- “Se você não quiser ir almoçar na minha mãe hoje não tem problema. Quer que eu deixe uma lasanha pronta no forno?”
- “Festa de aniversário de criança é muito chato! Deixa que eu levo as meninas... Vai no cinema, na volta você me pega...”
- “Já terminou seu banho?! Volta pra lá e se lava direito! Banho foi feito pra relaxar também...”.
- “Não vai comprar as suas cervejas hoje? Eu deixo meu condicionador pro mês que vem! Leva uma vodkinha também...”.
- “Churrasco na casa da Ana Luíza?! Claro que pode! Ela é tão atenciosa com você! Quer que eu te leve e depois vá buscar? Assim dá pra você beber bastante...”.
- “Eu gostei tanto desse filme... Mas se você quiser a gente pode levar aquele de sacanagem! Depois eu assisto esse aqui sozinha...”.
- “Deixa que eu arrume a casa! A TV Cultura vai reprisar de novo aquele jogo Brasil e Argentina da Copa de 82! Você não vai perder essa, vai?”
- “Amor... Em quem você quer que eu vote?”
- “Gostou do filé que eu fiz pra você? Que bom... Quer o meu? To sem fome...”.
- “Você sabe que eu odeio discutir relação a essa hora da noite! Você não prefere transar?”
- “Lembra da Ruth, sua antiga namorada? Ela ligou. Queria saber como você estava. Dá uma ligadinha pra ela, deve ser a saudade! Pobrezinha... Ainda não te esqueceu.”
- “Espera só eu trocar o bujão de gás que eu lavo o carro, tá bom?”
- “Que perfume gostoso é esse na sua camisa? É de mulher, né seu safadinho... Descobre qual é e compra um pra mim também?”
- “Adoro quando você arrota bem alto! Ressalta a sua masculinidade...”.
- “Vamos ao show do ACDC? Se você preferir ir sozinho...”.
- “Tá bom... Só uma chupadinha, hein? Quando o sinal abrir eu paro!”
- “Aqui não! Tem pouca gente olhando... Vamos ali ao claro!”
- “Homem que é homem tem que broxar de vez em quando!”
- “Nossa! Como ele é grande! Nunca tinha visto um desse tamanho...”.
- “Juro que eu nunca vou engordar! Se isso acontecer pode procurar outra! É seu direito!”
- “Deixa que eu atendo os Testemunhas de Jeová no portão! Vá ler seu jornal...”.
- “Você sabe que eu adoro receber flores, cartões com declarações de amor... Mas se você me der só um beijinho eu vou me sentir a mulher mais feliz do mundo!”
- “Vamos visitar a sua mãe? To com saudades dela, da sua irmã...”.
- “Desde pequena eu sonhava em lavar as cuecas do meu marido! Agora que eu estou casada eu não abro mão de fazer!”
- “Benhê... Quer que eu faça o seu prato? Separei o peito do frango só pra você...”.
- “Nossa amore! Quanta amiga você tem no Orkut, hein?! Sinal que você cativa às pessoas... Pede o MSN delas pra vocês baterem um papo qualquer dia!”
- “Ai que barriguinha mais linda! E essa papada então... Coisinha mais fofa desse mundo!”
- “É melhor você tirar a aliança. Me disseram que naquele bar só tem gente solteira e desquitada. Você vai acabar se sentindo deslocado...”
- “Eu sei que tá caro! Mas você gosta! Leva! Depois eu faço umas trufas pra vender e a gente paga...”.
- “Você me traz umas conchinhas da praia?”
- “Fala pros seus amigos levarem você naquela boate! Como chama mesmo...? Xanadu! Tem cada Go Go Girl lá... Você vai amar!”
- “Amor... eu já to pronta! Se você quiser ir se trocar...”.
- “Não precisa me dizer onde você foi! Todo homem tem o direito sagrado da sua privacidade!”
- “Tá chovendo! Mas pode deixar que eu recolho as roupas sozinha. Vai que você pega um resfriado...”
- “Por que você não faz uma viagem? Vai te fazer bem! Fala com seus amigos!”
- “Vai pescar de novo? Não esquece as cervejas! Quer que eu frite uns croquetes?”
- “Homem é tudo igual mesmo... Menos você... Né, lindão?!”
- “Ciúmes, eu? Imagina... Eu adoro que ele tenha amigas!”
- “Benhê”... Não olhe agora, mas a moça da mesa ao lado não tira os olhos de você! Meu garanhão...
- “Amor! Assim que você terminar o xixi, deixa a tampa da privada pra eu abaixar?”
- “Você fica tão sexy de mau humor... Me bate hoje?”
- “Como foi meu dia? Ah... Cheio de futilidades... Mas não vou te incomodar com essas coisas! Vamos falar de sexo?”
- “Há que horas você quer que eu te acorde amanhã? Se eu me atrasar um pouquinho é porque estou na padaria esperando sair um pão quentinho pra você...”.
- “Quem era aquela loira que estava almoçando com você? Bonita ela, né? Tá comendo hein...”.
- “Amor! Aumenta um pouco o som! A novela tá chata mesmo...”.
- “Comprei a Playboy da Tiazinha pra você! Tá do lado da privada!”
- “Querido... Não é melhor você aumentar a pensão da sua ex-mulher? Hoje ela tava tão mal vestida na reunião de pais e mestres... Tadinha...”.
Não seria bom uma mulher assim?
Eu sinceramente acho que não! Que graça teria?
As mulheres, assim como nós homens, são perfeitas em sua própria imperfeição! Se perfeitos fossemos, seríamos deuses, não mortais! Somos perfeitamente imperfeitos!
E por sermos assim é que a vida tem sentido. Nosso convívio com uma mulher como essa que criei seria, senão monótono, um marasmo sem fim.
As desavenças são as melhores oportunidades que temos para recomeçar! Não do zero, mas do ponto em que paramos.
Conviver a dois é saber fazer concessões, é dividir o indivisível, que é a nossa liberdade!
Entender uma mulher, para nós homens é tão difícil quanto entender os homens para elas.
Não estou aqui para fazer demagogia com ninguém. Não vou seduzir mulher nenhuma com uma crônica dessas, mas tenho absoluta certeza que a mulher tem que ser do jeito que é!
Pensando bem... A mulher perfeita existe! E é exatamente essa que conhecemos! Elas não têm defeitos, têm diferenças! E do ponto de vista oposto o que se vê é exatamente a mesma coisa.
Bem ou mal, não vivemos sem elas, e elas sem nós! E essa inexplicável atração pelo antagônico só pode ter uma explicação: nós gostamos delas exatamente do jeito que são!
Talvez nosso maior defeito seja acreditar que nosso par perfeito exista. De repente esse nosso par perfeito com o qual sonhamos seja apenas um reflexo daquilo que vemos diariamente no espelho: nós mesmos!
É pretensão demais achar que o mundo seria melhor se todos fossem iguais a você.
Mas liberar um barzinho de vez em quando ajudaria a melhorar o humor do mundo...
Longe de mim estabelecer regras de beleza para definir o que é bom ou ruim no âmbito físico, vemos beleza nos lugares mais inverossímeis que se possa imaginar. É tudo uma questão de gosto e ponto de vista.
Mais do que uma Vênus, esperamos da mulher uma atitude que nos satisfaça por completo. Que nos dê a certeza de que nosso metro quadrado é só nosso. Nosso instinto libertário e libertino já nasce conosco, e nos parece intocável até que nos dobremos ao primeiro par de pernas que cruzam nossa frente e nos vende a razão.
Eu poderia me utilizar de páginas e mais páginas para expor nossos desejos, construir um estereótipo da mulher perfeita, mas para não tomar demais o meu e o seu tempo vou usar de uma fórmula simples que sintetiza quase tudo que esperamos de nossa parceira perfeita.
Para isso, ao invés de argumentos conclusivos, vou escrever boa parte das frases que gostaríamos de ouvir de nossas tão estimadas mulheres.
Não comentarei nenhuma delas, pois as mesmas, de forma antagônica, fazem parte do cotidiano de qualquer homem que tenha tido o prazer de conviver com uma mulher debaixo do mesmo teto, seja em casamento ou em uma relação “estável”.
Hei-las:
- “Hoje vai ter futebol na TV, né? Acho que vou ver a novela na minha mãe pra não te atrapalhar... Quer que eu estoure uma pipoquinha pra você?”
- “Preciso te contar uma coisa... Mas na hora da novela eu falo... Você tá assistindo o Jornal Nacional agora... Desculpa.”
- “Tenho uma notícia boa! Nosso time contratou o Zé Calanga! Não é o máximo? Ele vai jogar pelo meio, avançando pela direita.”
- “Depois que você se enxugar pode deixar a toalha em cima da cama que eu penduro.”
- “Não vai ao bar hoje, amor? Você precisa espairecer um pouco com seus amigos...”.
- “Acelera amor! Passa logo essa lesma aí na frente...”.
- “Deixa de ser sem educação e dá um beijo na sua amiga! Faz tanto tempo que vocês não se vêem!”
- “Esqueci de te dizer... Sua amante ligou hoje à tarde e disse que se você estiver muito cansado não precisa ir hoje. Coitadinha... Faz um esforço, vai...”.
- “Que é isso meu anjo... Qualquer um esquece a data de aniversário de casamento... Você deve estar muito cansado! Quer que eu abra uma cerveja?”
- “Eu acho tão bonito essa forma carinhosa com que você e suas amigas se cumprimentam! Acho esses selinhos uma forma de afeto tão sincero...”.
- “Achei tão engraçado ver você chegando do bar trançando as pernas! Você precisa fazer isso mais vezes...”.
- “Se você não quiser ir almoçar na minha mãe hoje não tem problema. Quer que eu deixe uma lasanha pronta no forno?”
- “Festa de aniversário de criança é muito chato! Deixa que eu levo as meninas... Vai no cinema, na volta você me pega...”
- “Já terminou seu banho?! Volta pra lá e se lava direito! Banho foi feito pra relaxar também...”.
- “Não vai comprar as suas cervejas hoje? Eu deixo meu condicionador pro mês que vem! Leva uma vodkinha também...”.
- “Churrasco na casa da Ana Luíza?! Claro que pode! Ela é tão atenciosa com você! Quer que eu te leve e depois vá buscar? Assim dá pra você beber bastante...”.
- “Eu gostei tanto desse filme... Mas se você quiser a gente pode levar aquele de sacanagem! Depois eu assisto esse aqui sozinha...”.
- “Deixa que eu arrume a casa! A TV Cultura vai reprisar de novo aquele jogo Brasil e Argentina da Copa de 82! Você não vai perder essa, vai?”
- “Amor... Em quem você quer que eu vote?”
- “Gostou do filé que eu fiz pra você? Que bom... Quer o meu? To sem fome...”.
- “Você sabe que eu odeio discutir relação a essa hora da noite! Você não prefere transar?”
- “Lembra da Ruth, sua antiga namorada? Ela ligou. Queria saber como você estava. Dá uma ligadinha pra ela, deve ser a saudade! Pobrezinha... Ainda não te esqueceu.”
- “Espera só eu trocar o bujão de gás que eu lavo o carro, tá bom?”
- “Que perfume gostoso é esse na sua camisa? É de mulher, né seu safadinho... Descobre qual é e compra um pra mim também?”
- “Adoro quando você arrota bem alto! Ressalta a sua masculinidade...”.
- “Vamos ao show do ACDC? Se você preferir ir sozinho...”.
- “Tá bom... Só uma chupadinha, hein? Quando o sinal abrir eu paro!”
- “Aqui não! Tem pouca gente olhando... Vamos ali ao claro!”
- “Homem que é homem tem que broxar de vez em quando!”
- “Nossa! Como ele é grande! Nunca tinha visto um desse tamanho...”.
- “Juro que eu nunca vou engordar! Se isso acontecer pode procurar outra! É seu direito!”
- “Deixa que eu atendo os Testemunhas de Jeová no portão! Vá ler seu jornal...”.
- “Você sabe que eu adoro receber flores, cartões com declarações de amor... Mas se você me der só um beijinho eu vou me sentir a mulher mais feliz do mundo!”
- “Vamos visitar a sua mãe? To com saudades dela, da sua irmã...”.
- “Desde pequena eu sonhava em lavar as cuecas do meu marido! Agora que eu estou casada eu não abro mão de fazer!”
- “Benhê... Quer que eu faça o seu prato? Separei o peito do frango só pra você...”.
- “Nossa amore! Quanta amiga você tem no Orkut, hein?! Sinal que você cativa às pessoas... Pede o MSN delas pra vocês baterem um papo qualquer dia!”
- “Ai que barriguinha mais linda! E essa papada então... Coisinha mais fofa desse mundo!”
- “É melhor você tirar a aliança. Me disseram que naquele bar só tem gente solteira e desquitada. Você vai acabar se sentindo deslocado...”
- “Eu sei que tá caro! Mas você gosta! Leva! Depois eu faço umas trufas pra vender e a gente paga...”.
- “Você me traz umas conchinhas da praia?”
- “Fala pros seus amigos levarem você naquela boate! Como chama mesmo...? Xanadu! Tem cada Go Go Girl lá... Você vai amar!”
- “Amor... eu já to pronta! Se você quiser ir se trocar...”.
- “Não precisa me dizer onde você foi! Todo homem tem o direito sagrado da sua privacidade!”
- “Tá chovendo! Mas pode deixar que eu recolho as roupas sozinha. Vai que você pega um resfriado...”
- “Por que você não faz uma viagem? Vai te fazer bem! Fala com seus amigos!”
- “Vai pescar de novo? Não esquece as cervejas! Quer que eu frite uns croquetes?”
- “Homem é tudo igual mesmo... Menos você... Né, lindão?!”
- “Ciúmes, eu? Imagina... Eu adoro que ele tenha amigas!”
- “Benhê”... Não olhe agora, mas a moça da mesa ao lado não tira os olhos de você! Meu garanhão...
- “Amor! Assim que você terminar o xixi, deixa a tampa da privada pra eu abaixar?”
- “Você fica tão sexy de mau humor... Me bate hoje?”
- “Como foi meu dia? Ah... Cheio de futilidades... Mas não vou te incomodar com essas coisas! Vamos falar de sexo?”
- “Há que horas você quer que eu te acorde amanhã? Se eu me atrasar um pouquinho é porque estou na padaria esperando sair um pão quentinho pra você...”.
- “Quem era aquela loira que estava almoçando com você? Bonita ela, né? Tá comendo hein...”.
- “Amor! Aumenta um pouco o som! A novela tá chata mesmo...”.
- “Comprei a Playboy da Tiazinha pra você! Tá do lado da privada!”
- “Querido... Não é melhor você aumentar a pensão da sua ex-mulher? Hoje ela tava tão mal vestida na reunião de pais e mestres... Tadinha...”.
Não seria bom uma mulher assim?
Eu sinceramente acho que não! Que graça teria?
As mulheres, assim como nós homens, são perfeitas em sua própria imperfeição! Se perfeitos fossemos, seríamos deuses, não mortais! Somos perfeitamente imperfeitos!
E por sermos assim é que a vida tem sentido. Nosso convívio com uma mulher como essa que criei seria, senão monótono, um marasmo sem fim.
As desavenças são as melhores oportunidades que temos para recomeçar! Não do zero, mas do ponto em que paramos.
Conviver a dois é saber fazer concessões, é dividir o indivisível, que é a nossa liberdade!
Entender uma mulher, para nós homens é tão difícil quanto entender os homens para elas.
Não estou aqui para fazer demagogia com ninguém. Não vou seduzir mulher nenhuma com uma crônica dessas, mas tenho absoluta certeza que a mulher tem que ser do jeito que é!
Pensando bem... A mulher perfeita existe! E é exatamente essa que conhecemos! Elas não têm defeitos, têm diferenças! E do ponto de vista oposto o que se vê é exatamente a mesma coisa.
Bem ou mal, não vivemos sem elas, e elas sem nós! E essa inexplicável atração pelo antagônico só pode ter uma explicação: nós gostamos delas exatamente do jeito que são!
Talvez nosso maior defeito seja acreditar que nosso par perfeito exista. De repente esse nosso par perfeito com o qual sonhamos seja apenas um reflexo daquilo que vemos diariamente no espelho: nós mesmos!
É pretensão demais achar que o mundo seria melhor se todos fossem iguais a você.
Mas liberar um barzinho de vez em quando ajudaria a melhorar o humor do mundo...
“ANTES NUNCA DO QUE TARDE”
Acabo de frustrar uma das maiores fantasias de minha não tão longínqua adolescência. Eu não, a Gretchen!
Depois de quase um ano e meio reproduzindo filmes de boa, ou eventualmente má qualidade, meu aparelho de DVD teve a honra de reproduzir, pela primeira vez desde sua chegada, um filme pornográfico.
Não que eu seja um daqueles hipócritas que discursam em nome da moral e dos bons costumes, muito pelo contrário, quem me conhece bem sabe que sempre adorei pornografia, como todo e qualquer homem comum.
Levei todo esse tempo sem assistir um pornô pelo simples fato de não estar a fim. Acho que de tanto assistir fita de VHS desse gênero acabei ficando um pouco enjoado.
Mas hoje, aproveitando o fato de estar sozinho em casa, resolvi quebrar a rotina e me reportar ao passado. Fui à locadora mais próxima de minha casa e aluguei o filme “La Conga Sex”, estrelado por ninguém menos que ela, Gretchen!
Eu até teria um número enorme de opções de títulos, mas hoje eu queria matar a curiosidade que sempre consumiu a mim e a toda uma geração de homens que um dia fantasiaram dar “umazinha” com a Gretchen.
No final da década de 70 e início da de 80 nossa heroína levava platéias à loucura com seu rebolado hipnótico. Era o sonho de consumo de dez entre dez adolescentes. Homenageada solenemente em inúmeras borracharias país a fora.
Dona de um repertório musical tão importante para a história da música quanto o repertório da fanfarra de minha escola, Gretchen primava pela emissão de gritinhos de um apelo sexual enorme e pelo gingado “nádego” que inspirou ícones da música pop tupiniquim, como Carla Peres e afins.
As mulheres a odiavam, os homens a desejavam!
Era o estereótipo da destruidora de lares, a amante que papai sonhou, o pôster proscrito de toda e qualquer parede.
Havia todo um mistério em torno de suas aventuras extra-palco. Pouco se sabia a respeito de quem era seu marido. Mas isso não importava. A gente queria era saber de suas aventuras sexuais.
Ela devia ser um furacão na cama! – pensávamos nós.
Tudo o que se falava a seu respeito girava em torno de sexo. Até hoje não consegui decorar nenhuma das letras de suas músicas. E olha que elas eram tão difíceis quanto decorar a tabuada do 2!
Mas a música era apenas um detalhe...
O que importava mesmo era a bunda da Gretchen! Víamos ela e sua bunda se exibirem no Programa do Chacrinha, no Programa Barros de Alencar, no Clube do Bolinha e no Programa Sílvio Santos. Nesse último ela chegou a ser recordista de vitórias no quadro “Qual é a música?”, onde desfilava seu vasto conhecimento musical todos os domingos à tarde. Derrotava sem piedade verdadeiras enciclopédias musicais, tais como: Ed Carlos, Nahin, Ângelo Máximo e até grupos inteiros como o caso dos lendários Gengis Khan e Trio Los Angeles!
Até que um dia Deus premiou, a nós, amparenses, com uma apresentação “ao vivo” da moça na Rodoviária! Era a realização dos nossos sonhos!
E o público não decepcionou. A “arena” estava lotada para mais um concerto de aniversário da cidade. Antes dela alguns artistas locais fizeram o “open act” tocando sanfona, dançando umas bobagens, e até interpretando uns hit´s do momento. Mas a atração principal demorou a chegar.
A ala masculina evidentemente ocupava os espaços em frente ao palco e a feminina – elas não poderiam deixar de vir vaiar a coitadinha – ficaram espalhadas aleatoriamente buscando um ponto de visão estratégico em que pudessem comprovar que até a Gretchen tinha celulites.
As luzes se apagam!
É chegada a hora da verdade! O locutor da Rádio Difusora de Amparo, escalado para apresentar o evento anuncia que nossa rainha já estava se preparando. Só mais uns minutinhos e nossos sonhos se realizariam...
Tudo isso fazia parte do espetáculo. A ansiedade, a demora, enfim, a frescura aumentava o nosso anseio de visualizar a nossa musa.
E antes que os mais afoitos subissem ao palco para esganar o pobre locutor, o prefeito deu a ordem para começar o show. Sim! Até o prefeito estava presente. E assistiu ao espetáculo ao lado do palco com direito a beijinho na bochecha!
De repente surge num roupão branco purpurinado, ela: a nossa Gretchen!
Que já entra mandando bronca com seu maior sucesso: La Conga!
“Conga, la Conga... Conga, Conga, Conga!” – o refrão eu decorei.
Quando ela retirou o roupão Amparo veio abaixo! A rapaziada urrava de emoção! Era muito engraçada aquela cena. Parecia um bando de gente histérica celebrando a presença de sua maior autoridade pastoral.
Vi algumas mulheres chacoalhando a cabeça em sinal de desprezo e homens querendo subir no palco para tirar uma casquinha da cantora. Mas o fato mais insólito que presenciei foi uma mulher estapeando as costas do marido que ria e se defendia. Por que deixou ele vir então?
O “set list” contava com apenas três músicas, mas já foi o suficiente para virar a cabeça do pessoal. E ela, generosamente, nos brindou com um bis!
E tome mais “Conga, la Conga... Conga, Conga, Conga” ouvido adentro!
O show não deve ter durado mais do que 20 minutos, incluindo o discurso de congratulações pelo aniversário da cidade, que ela fez questão de fazer. Agradeceu a hospitalidade e a “educação daquele povo bonito, como ela nunca havia visto antes”.
Gretchen se foi... E deixou uma cidade órfã de sua mais doce visitante...
Aposto que muitos dos amparenses que estão encostados com tendinite no braço pelo INSS, tiveram ali, o ponta pé inicial de sua doença.
Passamos uma semana comentando sobre ela e seu bumbum e chegamos à conclusão que aquilo não era uma mulher com bunda, era uma bunda com uma mulher na outra ponta!
Comentávamos como seria aquela deusa na cama. Será que ela era ótima ou fantástica?
Sonhos, sonhos e mais sonhos...
Pagaríamos o que fosse preciso para ser uma mosca no quarto da Gretchen durante uma transa! Mesmo sendo menores de idade jurávamos invadir o cinema no peito para assistir ao filme, caso ela fizesse um. E fez. Mas a essa altura a cidade não mais possuía cinema...
Mas também não perdemos muita coisa, pois era apenas uma mera pornochanchada, que não mostrava quase nada. Mas sonhavamos...
Pois é... Quase trinta anos depois cá estou com o DVD dela na minha frente. E o mais improvável: com cenas de sexo explícito, como sempre sonhamos!
Juro que se eu tivesse o e-mail dela enviaria uma mensagem com os seguintes dizeres:
“Querida, e outrora desejada Gretchen...
Por que você destruiu os nossos sonhos? Por quê?
Por que não nos deixou com aquela sensação de que você sim, era mulher?
Por que não nos poupou de tamanha decepção?
Quero minha fantasia de volta!
Atenciosamente, um ex-fã”
Sinto-me enganado...
Nunca imaginei que isso pudesse acontecer. Tenho até medo de contar isso a meus amigos. Prefiro poupá-los de tão dolorosa desilusão.
Infelizmente eu pude constatar que Gretchen, a musa dos adolescentes oitentistas, a bunda mais desejada de nossa geração, não é de nada...
Se eu fosse um pequeno infante acho que sairia no meio da rua para gritar: “a Gretchen não é de nada, só come marmelada...”.
O DVD, que deve ter pelo menos uma hora de duração foi assistido em no máximo dez minutos! Que coisa mais sem graça!
Quem sou eu para falar das habilidades de alcova de alguém... Mas a Gretchen não podia ter feito isso conosco... Merecíamos morrer com essa ilusão de que ela era o Furacão Gretchen! E não esse ventinho sudoeste...
Há quase trinta anos esse filme me inspiraria inúmeras idas e vindas ao banheiro, mas hoje ele me inspirou apenas essa crônica magoada de alguém que um dia achou que uma mulher como a Gretchen deveria ser tombada pelo patrimônio público.
Não anseio mais nada nessa vida...
Só peço a Deus que nos poupe de mais decepções! Que mantenha sempre polpudas as contas bancárias de Claudia Raia, Luma de Oliveira, Luísa Brunnet, Monique Evans...
Depois de quase um ano e meio reproduzindo filmes de boa, ou eventualmente má qualidade, meu aparelho de DVD teve a honra de reproduzir, pela primeira vez desde sua chegada, um filme pornográfico.
Não que eu seja um daqueles hipócritas que discursam em nome da moral e dos bons costumes, muito pelo contrário, quem me conhece bem sabe que sempre adorei pornografia, como todo e qualquer homem comum.
Levei todo esse tempo sem assistir um pornô pelo simples fato de não estar a fim. Acho que de tanto assistir fita de VHS desse gênero acabei ficando um pouco enjoado.
Mas hoje, aproveitando o fato de estar sozinho em casa, resolvi quebrar a rotina e me reportar ao passado. Fui à locadora mais próxima de minha casa e aluguei o filme “La Conga Sex”, estrelado por ninguém menos que ela, Gretchen!
Eu até teria um número enorme de opções de títulos, mas hoje eu queria matar a curiosidade que sempre consumiu a mim e a toda uma geração de homens que um dia fantasiaram dar “umazinha” com a Gretchen.
No final da década de 70 e início da de 80 nossa heroína levava platéias à loucura com seu rebolado hipnótico. Era o sonho de consumo de dez entre dez adolescentes. Homenageada solenemente em inúmeras borracharias país a fora.
Dona de um repertório musical tão importante para a história da música quanto o repertório da fanfarra de minha escola, Gretchen primava pela emissão de gritinhos de um apelo sexual enorme e pelo gingado “nádego” que inspirou ícones da música pop tupiniquim, como Carla Peres e afins.
As mulheres a odiavam, os homens a desejavam!
Era o estereótipo da destruidora de lares, a amante que papai sonhou, o pôster proscrito de toda e qualquer parede.
Havia todo um mistério em torno de suas aventuras extra-palco. Pouco se sabia a respeito de quem era seu marido. Mas isso não importava. A gente queria era saber de suas aventuras sexuais.
Ela devia ser um furacão na cama! – pensávamos nós.
Tudo o que se falava a seu respeito girava em torno de sexo. Até hoje não consegui decorar nenhuma das letras de suas músicas. E olha que elas eram tão difíceis quanto decorar a tabuada do 2!
Mas a música era apenas um detalhe...
O que importava mesmo era a bunda da Gretchen! Víamos ela e sua bunda se exibirem no Programa do Chacrinha, no Programa Barros de Alencar, no Clube do Bolinha e no Programa Sílvio Santos. Nesse último ela chegou a ser recordista de vitórias no quadro “Qual é a música?”, onde desfilava seu vasto conhecimento musical todos os domingos à tarde. Derrotava sem piedade verdadeiras enciclopédias musicais, tais como: Ed Carlos, Nahin, Ângelo Máximo e até grupos inteiros como o caso dos lendários Gengis Khan e Trio Los Angeles!
Até que um dia Deus premiou, a nós, amparenses, com uma apresentação “ao vivo” da moça na Rodoviária! Era a realização dos nossos sonhos!
E o público não decepcionou. A “arena” estava lotada para mais um concerto de aniversário da cidade. Antes dela alguns artistas locais fizeram o “open act” tocando sanfona, dançando umas bobagens, e até interpretando uns hit´s do momento. Mas a atração principal demorou a chegar.
A ala masculina evidentemente ocupava os espaços em frente ao palco e a feminina – elas não poderiam deixar de vir vaiar a coitadinha – ficaram espalhadas aleatoriamente buscando um ponto de visão estratégico em que pudessem comprovar que até a Gretchen tinha celulites.
As luzes se apagam!
É chegada a hora da verdade! O locutor da Rádio Difusora de Amparo, escalado para apresentar o evento anuncia que nossa rainha já estava se preparando. Só mais uns minutinhos e nossos sonhos se realizariam...
Tudo isso fazia parte do espetáculo. A ansiedade, a demora, enfim, a frescura aumentava o nosso anseio de visualizar a nossa musa.
E antes que os mais afoitos subissem ao palco para esganar o pobre locutor, o prefeito deu a ordem para começar o show. Sim! Até o prefeito estava presente. E assistiu ao espetáculo ao lado do palco com direito a beijinho na bochecha!
De repente surge num roupão branco purpurinado, ela: a nossa Gretchen!
Que já entra mandando bronca com seu maior sucesso: La Conga!
“Conga, la Conga... Conga, Conga, Conga!” – o refrão eu decorei.
Quando ela retirou o roupão Amparo veio abaixo! A rapaziada urrava de emoção! Era muito engraçada aquela cena. Parecia um bando de gente histérica celebrando a presença de sua maior autoridade pastoral.
Vi algumas mulheres chacoalhando a cabeça em sinal de desprezo e homens querendo subir no palco para tirar uma casquinha da cantora. Mas o fato mais insólito que presenciei foi uma mulher estapeando as costas do marido que ria e se defendia. Por que deixou ele vir então?
O “set list” contava com apenas três músicas, mas já foi o suficiente para virar a cabeça do pessoal. E ela, generosamente, nos brindou com um bis!
E tome mais “Conga, la Conga... Conga, Conga, Conga” ouvido adentro!
O show não deve ter durado mais do que 20 minutos, incluindo o discurso de congratulações pelo aniversário da cidade, que ela fez questão de fazer. Agradeceu a hospitalidade e a “educação daquele povo bonito, como ela nunca havia visto antes”.
Gretchen se foi... E deixou uma cidade órfã de sua mais doce visitante...
Aposto que muitos dos amparenses que estão encostados com tendinite no braço pelo INSS, tiveram ali, o ponta pé inicial de sua doença.
Passamos uma semana comentando sobre ela e seu bumbum e chegamos à conclusão que aquilo não era uma mulher com bunda, era uma bunda com uma mulher na outra ponta!
Comentávamos como seria aquela deusa na cama. Será que ela era ótima ou fantástica?
Sonhos, sonhos e mais sonhos...
Pagaríamos o que fosse preciso para ser uma mosca no quarto da Gretchen durante uma transa! Mesmo sendo menores de idade jurávamos invadir o cinema no peito para assistir ao filme, caso ela fizesse um. E fez. Mas a essa altura a cidade não mais possuía cinema...
Mas também não perdemos muita coisa, pois era apenas uma mera pornochanchada, que não mostrava quase nada. Mas sonhavamos...
Pois é... Quase trinta anos depois cá estou com o DVD dela na minha frente. E o mais improvável: com cenas de sexo explícito, como sempre sonhamos!
Juro que se eu tivesse o e-mail dela enviaria uma mensagem com os seguintes dizeres:
“Querida, e outrora desejada Gretchen...
Por que você destruiu os nossos sonhos? Por quê?
Por que não nos deixou com aquela sensação de que você sim, era mulher?
Por que não nos poupou de tamanha decepção?
Quero minha fantasia de volta!
Atenciosamente, um ex-fã”
Sinto-me enganado...
Nunca imaginei que isso pudesse acontecer. Tenho até medo de contar isso a meus amigos. Prefiro poupá-los de tão dolorosa desilusão.
Infelizmente eu pude constatar que Gretchen, a musa dos adolescentes oitentistas, a bunda mais desejada de nossa geração, não é de nada...
Se eu fosse um pequeno infante acho que sairia no meio da rua para gritar: “a Gretchen não é de nada, só come marmelada...”.
O DVD, que deve ter pelo menos uma hora de duração foi assistido em no máximo dez minutos! Que coisa mais sem graça!
Quem sou eu para falar das habilidades de alcova de alguém... Mas a Gretchen não podia ter feito isso conosco... Merecíamos morrer com essa ilusão de que ela era o Furacão Gretchen! E não esse ventinho sudoeste...
Há quase trinta anos esse filme me inspiraria inúmeras idas e vindas ao banheiro, mas hoje ele me inspirou apenas essa crônica magoada de alguém que um dia achou que uma mulher como a Gretchen deveria ser tombada pelo patrimônio público.
Não anseio mais nada nessa vida...
Só peço a Deus que nos poupe de mais decepções! Que mantenha sempre polpudas as contas bancárias de Claudia Raia, Luma de Oliveira, Luísa Brunnet, Monique Evans...
“EU QUERIA SER QUINEM O CHICÃO LOCO”
Às vezes eu queria ter a inconseqüência de um louco...
Não é por nada não, mas você já reparou que os loucos, visto de certo prisma, são muito mais felizes de que nós, “pseudo-normais”?
O Chicão é assim, louco.
Chicão Loco, como ficou conhecido, é aquele tipo de sujeito que não está nem aí pra nada! Tanto fez, tanto faz... Pra ele tudo está em ordem.
Hoje, durante a minha caminhada matinal, cruzei com o Rafa, que passava de carro, e ele, com apenas alguns graus a menos de loucura se comparado ao Chicão, me cumprimentou de uma forma tão familiar que me fez recordar o jeito do Chicão.
A loucura de que falo não se refere àquela que com o tempo nos obriga a internar o paciente em uma clínica psiquiátrica, mas sim daquela loucura sutil, aquele parafuso a menos que faz do indivíduo em questão um ser diferenciado.
O Chicão sempre foi assim, um cara diferente no seu jeito de ser, uma pessoa que de tão autêntica e expansiva convencionou-se chamá-lo de “louco”, ou loco como costumamos chamar esse tipo de gente aqui no interior.
Meu amigo nunca escondeu sentimentos. Se ele não te olhar na cara ou fizer cara de poucos amigos é porque alguma coisa o está desagradando, nesse caso, você.
Porém, se ele te quiser bem...
Com o Chicão não tem essa história de cumprimentar com um simples aceno à distância. Se você cair em seu campo visual a probabilidade de um espetáculo público é enorme, para não dizer garantida.
Com uma ternura quase paquidérmica ele grita teu nome a plenos pulmões, esteja ele onde estiver!
Não é incomum você se esconder em meio à multidão fazendo de conta que a história não é com você. Mas o Chicão tem o faro do tigre... Ele te encontra.
E tome conversa fiada!
Não adianta querer discutir literatura ou sistema político com ele, é inútil. Ele vai querer é saber como anda a sua vida para depois contar a quantas anda a dele. Quando muito, você pode até vir a conversar sobre futebol, mas à medida que a conversa for fluindo o assunto vai voltar ao seu tema de origem: “E aí? Como é que tão as coisa?” – costuma perguntar.
Por uma obra divina, ele não é daqueles “locos” que te seguram pelo braço pra não te deixar ir embora. Ao menor sinal de que você está com pressa ele compreende e já te dá um abraço de despedida sem esconder a felicidade de te reencontrar.
Desde os tempos de primário ele já demonstrava traços de quem não “bate muito bem das idéia”. Entretanto, faz-se necessário dizer que, mesmo sendo por vezes inconveniente, ele jamais perdeu o jeito inocentemente terno de tratar os amigos. É uma ternura paquidérmica, eu repito, mas não deixa de ser ternura.
O Chicão não passa despercebido em lugar nenhum. Se ele está feliz você ouve a sua voz a quilômetros de distância. Se ele estiver quieto é porque está triste, bravo ou preocupado. Muitas vezes preocupado com um amigo qualquer que, prevendo erroneamente o pior, acaba dispensando a sua ajuda.
E não adianta você pedir a ele para se conter porque “ o povo ta olhando”. Fatalmente ele vai te responder com um sorriso quase infantil nos lábios: - “Si fôda! Cê liga?”.
“Si fôda” é uma expressão tipicamente chicônica. Já está associada ao Chicão desde que ele aprendeu a usar a linguagem falada. Pra ele não tem tempo ruim. Se pintar uma dúvida sobre fazer ou não, a resposta dele vai ser sempre a mesma: “Si fôda!”.
Uma noite, lá pela década de 80, ele e uns amigos estavam entediados com a vida e chegaram a conclusão que o que lhes faltava para deixar a noite um pouco mais animada era um carro. Mas ninguém tinha carro, ou melhor, a mãe do Chicão tinha um carro...
Não deu outra! O Chicão arquitetou um plano maquiavélico para seqüestrar o carro da própria mãe para “dar umas bandas por aí”. E como ele não sabia dirigir, fez questão que o Baixinho o fizesse. Enquanto ele vigiava o sono da mãe, o resto da gang tirava o carro da garagem sem fazer barulho, ou seja, empurrando o veículo até o lado de fora.
E quem pensa que ele pediu para maneirar no volante está redondamente enganado! Ele queria era ação! “Enfia o pé!”; “Dá uma derrapada!”; “Vai na contra mão mesmo!”; “Si fôda!” eram apenas algumas de suas expressões.
Em tempo: o Fusca voltou intacto.
Como todo Loco, Chicão não sabia deixar de expressar seus sentimentos da forma mais paradoxal possível: sutilmente brutal!
Se ele ficava feliz em te ver, você ganhava um abraço de urso; se ele não gostava de alguém já ia logo dizendo como esse era chato; sentindo-se excluído exigia, aos berros, a atenção; se alguém lhe importunava fatalmente levava um sopapo e se por algum motivo ele cismasse com alguma coisa não havia Cristo que o demovesse da idéia.
Por exemplo: um dia, nas piscinas do clube, uma turma resolveu brincar de passe, que nada mais é do que um “pega-pega” anfíbio, e sabe-se lá o porquê ele se sentiu isolado na brincadeira.
Como represália ele aprontou uma que virou lenda!
De repente, fomos informados que não poderíamos deixar o local enquanto o autor da “obra” não fosse descoberto. Mas que obra?
Pois bem... “Alguém” havia usado a piscina média como sanitário e esquecido de dar a descarga!
Era uma visão grotesca ver aquele enorme submarino marrom flutuando nas águas límpidas da piscina onde crianças da mais tenra idade costumavam se banhar. Todo mundo sabia quem era o terrorista que havia feito aquilo, mas, como provar?
Claro que a essa altura dos acontecimentos nosso algoz já estava quase chegando a sua casa, e provavelmente rindo muito.
No outro dia, assim que ele colocou os pés no clube, nós o interceptamos. Se ele não assumisse a autoria do atentado todos nós seríamos suspensos. Sua reação não nos surpreendeu.
- “E o que eu tenho a ver com isso? Eu não tava mais aqui quando aconteceu!”.
- “Mas, Chicão... Todo mundo sabe que foi você!”.
- “E como é que sabem? Fizeram um exame na bosta pra saber se ela é minha?!”.
- “Nem tem como, né Chicão!”.
- “Então... Si fôda! Cê liga?”.
No final da história ninguém foi punido e o Chicão nunca mais foi preterido das brincadeiras na piscina...
Talvez seja esse jeito descompromissado com as convenções que me causa certa inveja dele. Não ter que dar satisfação a quem quer que seja deve ser muito bom!
Como nada que ele faz de estranho é levado em conta, não existe motivo para que se questione se tal ato estava certo ou errado. Afinal, ele é loco!
Seu jeito desmedido de me cumprimentar já não me incomoda mais há muito tempo. Mesmo não tendo contato diário com ele é sempre bom saber que o tenho como amigo. E é sempre uma festa o nosso reencontro! Com abraço de urso, gritaria, tapa nas costas...
Esse é o Chicão Loco... Um cara tão desencanado que até virou sinônimo de loucura. Ele não taca pedra em avião, nem rasga nota de cem, mas é louco. Suficientemente louco para nos olhar de cima e sentir um pouco de pena de nós, os “normais”.
Nem sei mais porque escrevi sobre ele...
Vai ver é porque hoje à noite tenho um compromisso desses bem chatos, que a gente não gosta, mas tem que cumprir para não parecermos anti-sociais.
Eu queria mesmo era ficar em casa, navegando na internet...
Quer saber?
“Si fôda...”
Não é por nada não, mas você já reparou que os loucos, visto de certo prisma, são muito mais felizes de que nós, “pseudo-normais”?
O Chicão é assim, louco.
Chicão Loco, como ficou conhecido, é aquele tipo de sujeito que não está nem aí pra nada! Tanto fez, tanto faz... Pra ele tudo está em ordem.
Hoje, durante a minha caminhada matinal, cruzei com o Rafa, que passava de carro, e ele, com apenas alguns graus a menos de loucura se comparado ao Chicão, me cumprimentou de uma forma tão familiar que me fez recordar o jeito do Chicão.
A loucura de que falo não se refere àquela que com o tempo nos obriga a internar o paciente em uma clínica psiquiátrica, mas sim daquela loucura sutil, aquele parafuso a menos que faz do indivíduo em questão um ser diferenciado.
O Chicão sempre foi assim, um cara diferente no seu jeito de ser, uma pessoa que de tão autêntica e expansiva convencionou-se chamá-lo de “louco”, ou loco como costumamos chamar esse tipo de gente aqui no interior.
Meu amigo nunca escondeu sentimentos. Se ele não te olhar na cara ou fizer cara de poucos amigos é porque alguma coisa o está desagradando, nesse caso, você.
Porém, se ele te quiser bem...
Com o Chicão não tem essa história de cumprimentar com um simples aceno à distância. Se você cair em seu campo visual a probabilidade de um espetáculo público é enorme, para não dizer garantida.
Com uma ternura quase paquidérmica ele grita teu nome a plenos pulmões, esteja ele onde estiver!
Não é incomum você se esconder em meio à multidão fazendo de conta que a história não é com você. Mas o Chicão tem o faro do tigre... Ele te encontra.
E tome conversa fiada!
Não adianta querer discutir literatura ou sistema político com ele, é inútil. Ele vai querer é saber como anda a sua vida para depois contar a quantas anda a dele. Quando muito, você pode até vir a conversar sobre futebol, mas à medida que a conversa for fluindo o assunto vai voltar ao seu tema de origem: “E aí? Como é que tão as coisa?” – costuma perguntar.
Por uma obra divina, ele não é daqueles “locos” que te seguram pelo braço pra não te deixar ir embora. Ao menor sinal de que você está com pressa ele compreende e já te dá um abraço de despedida sem esconder a felicidade de te reencontrar.
Desde os tempos de primário ele já demonstrava traços de quem não “bate muito bem das idéia”. Entretanto, faz-se necessário dizer que, mesmo sendo por vezes inconveniente, ele jamais perdeu o jeito inocentemente terno de tratar os amigos. É uma ternura paquidérmica, eu repito, mas não deixa de ser ternura.
O Chicão não passa despercebido em lugar nenhum. Se ele está feliz você ouve a sua voz a quilômetros de distância. Se ele estiver quieto é porque está triste, bravo ou preocupado. Muitas vezes preocupado com um amigo qualquer que, prevendo erroneamente o pior, acaba dispensando a sua ajuda.
E não adianta você pedir a ele para se conter porque “ o povo ta olhando”. Fatalmente ele vai te responder com um sorriso quase infantil nos lábios: - “Si fôda! Cê liga?”.
“Si fôda” é uma expressão tipicamente chicônica. Já está associada ao Chicão desde que ele aprendeu a usar a linguagem falada. Pra ele não tem tempo ruim. Se pintar uma dúvida sobre fazer ou não, a resposta dele vai ser sempre a mesma: “Si fôda!”.
Uma noite, lá pela década de 80, ele e uns amigos estavam entediados com a vida e chegaram a conclusão que o que lhes faltava para deixar a noite um pouco mais animada era um carro. Mas ninguém tinha carro, ou melhor, a mãe do Chicão tinha um carro...
Não deu outra! O Chicão arquitetou um plano maquiavélico para seqüestrar o carro da própria mãe para “dar umas bandas por aí”. E como ele não sabia dirigir, fez questão que o Baixinho o fizesse. Enquanto ele vigiava o sono da mãe, o resto da gang tirava o carro da garagem sem fazer barulho, ou seja, empurrando o veículo até o lado de fora.
E quem pensa que ele pediu para maneirar no volante está redondamente enganado! Ele queria era ação! “Enfia o pé!”; “Dá uma derrapada!”; “Vai na contra mão mesmo!”; “Si fôda!” eram apenas algumas de suas expressões.
Em tempo: o Fusca voltou intacto.
Como todo Loco, Chicão não sabia deixar de expressar seus sentimentos da forma mais paradoxal possível: sutilmente brutal!
Se ele ficava feliz em te ver, você ganhava um abraço de urso; se ele não gostava de alguém já ia logo dizendo como esse era chato; sentindo-se excluído exigia, aos berros, a atenção; se alguém lhe importunava fatalmente levava um sopapo e se por algum motivo ele cismasse com alguma coisa não havia Cristo que o demovesse da idéia.
Por exemplo: um dia, nas piscinas do clube, uma turma resolveu brincar de passe, que nada mais é do que um “pega-pega” anfíbio, e sabe-se lá o porquê ele se sentiu isolado na brincadeira.
Como represália ele aprontou uma que virou lenda!
De repente, fomos informados que não poderíamos deixar o local enquanto o autor da “obra” não fosse descoberto. Mas que obra?
Pois bem... “Alguém” havia usado a piscina média como sanitário e esquecido de dar a descarga!
Era uma visão grotesca ver aquele enorme submarino marrom flutuando nas águas límpidas da piscina onde crianças da mais tenra idade costumavam se banhar. Todo mundo sabia quem era o terrorista que havia feito aquilo, mas, como provar?
Claro que a essa altura dos acontecimentos nosso algoz já estava quase chegando a sua casa, e provavelmente rindo muito.
No outro dia, assim que ele colocou os pés no clube, nós o interceptamos. Se ele não assumisse a autoria do atentado todos nós seríamos suspensos. Sua reação não nos surpreendeu.
- “E o que eu tenho a ver com isso? Eu não tava mais aqui quando aconteceu!”.
- “Mas, Chicão... Todo mundo sabe que foi você!”.
- “E como é que sabem? Fizeram um exame na bosta pra saber se ela é minha?!”.
- “Nem tem como, né Chicão!”.
- “Então... Si fôda! Cê liga?”.
No final da história ninguém foi punido e o Chicão nunca mais foi preterido das brincadeiras na piscina...
Talvez seja esse jeito descompromissado com as convenções que me causa certa inveja dele. Não ter que dar satisfação a quem quer que seja deve ser muito bom!
Como nada que ele faz de estranho é levado em conta, não existe motivo para que se questione se tal ato estava certo ou errado. Afinal, ele é loco!
Seu jeito desmedido de me cumprimentar já não me incomoda mais há muito tempo. Mesmo não tendo contato diário com ele é sempre bom saber que o tenho como amigo. E é sempre uma festa o nosso reencontro! Com abraço de urso, gritaria, tapa nas costas...
Esse é o Chicão Loco... Um cara tão desencanado que até virou sinônimo de loucura. Ele não taca pedra em avião, nem rasga nota de cem, mas é louco. Suficientemente louco para nos olhar de cima e sentir um pouco de pena de nós, os “normais”.
Nem sei mais porque escrevi sobre ele...
Vai ver é porque hoje à noite tenho um compromisso desses bem chatos, que a gente não gosta, mas tem que cumprir para não parecermos anti-sociais.
Eu queria mesmo era ficar em casa, navegando na internet...
Quer saber?
“Si fôda...”
“NUNCA HOUVE UM BAR COMO O BACANA”
Quase todo cronista já escreveu sobre seu bar de coração. Todos falam dos drink´s bem servidos, do atendimento solícito, do garçom gente fina, dos freqüentadores descolados, das intermináveis bebedeiras que acabavam em letras de música memoráveis, enfim, de tantas histórias românticas que viraram lenda.
Mas nunca li a respeito de um bar que tinha tudo para falir em um mês, mas durou tantos e tantos anos primando pelo improvável: a higiene.
Era o caso do “Bar Bacana”. Claro que o nome não era esse. Eu seria ingênuo em expô-lo dessa forma e não esperar nenhuma ação judicial por danos morais.
Bares assim existem aos borbotões e esse só não é mais um deles por que eu o conheci “in loco”.
Desconheço o tempo em que o Bar Bacana permaneceu de portas abertas, mas posso afirmar que durante décadas ele foi o porto seguro de muita gente.
E por que o Bacana era diferente?
Porque ali se via coisas que normalmente só se vê nas comédias de costumes da televisão. Histórias que mereceriam um livro, mas que por pura falta de espaço terei que selecionar apenas algumas que envolveram pessoas de meu círculo de amizades e que são fontes fidedignas da verdade.
Nem todo alcoólatra que conheço começou sua vida de dedicação à manguaça nos balcões desse estabelecimento comercial, mas um dia, indubitavelmente, passou por lá.
Aliás, esse bar era a prova mais inconteste da ineficácia dos órgãos de defesa do consumidor da época. E até dos órgãos que fiscalizavam a venda de bebidas alcóolicas a menores. Suas portas nunca terem sido fechadas é sinal de que ou os órgãos fiscalizadores inexistiam ou simplesmente faziam vista grossa, já que seus próprios funcionários deviam freqüentar o local.
Por mais que se contestasse o nível de higiene do bar, não se deixava de dar pelo menos uma passadinha por lá, só para ver como andavam as coisas.
Para que se tenha uma vaga idéia da proporção do que falo, imagine que o médico mais bem conceituado da cidade, aquele que fez a maioria dos partos de toda uma geração e que era considerado o médico de todas as famílias, não deixava de passar por lá para tomar seu cafezinho de meio de tarde.
Numa dessas tardes, ele adentrou ao estabelecimento e deu de cara com o pai de um amigo meu prestes a saborear uma suculenta e requentada esfirra de carne. Para não perder a piada retirou o salgado das mãos desse senhor sob o pretexto de que deveria prová-la antes que ele pudesse, de alguma forma, estar ingerindo algum tipo de alimento nocivo à saúde. Como médico de sua família era seu dever zelar pelos pacientes. Tudo isso aconteceu na frente do dono do bar que ria compulsivamente.
Uma das tradições do Bacana eram as “farmácias”, que para quem não sabe era uma mistura de tudo o que havia de pior em termos de álcool degustável. Era uma espécie de coquetel com sabor de gasolina que servia única e exclusivamente para embebedar toda uma geração de infantes ávidos por um belo porre. Se não me falha a memória o drink era feito com doses de Fogo Paulista, Cherry, Pepper, Conhaque, Campari e Martini. E ficava marrom com aparência de combustível.
Nunca tive o “prazer” de degustar esse néctar dos deuses, mas quem provou diz que o efeito é quase imediato.
Aliás, seu efeito era tão previsível que embaixo do balcão havia um balde com serragem para ser usado sob o vômito dos candidatos a manguaceiros. Parecia um pit stop da Ferrari: mal o vômito caia no chão já havia alguém com o tal balde e um rodo na mão a espera do momento certo de limpar o chão. Afinal, era preciso manter um ambiente salutar.
E salutar era mais que um adjetivo, era uma meta do bar! A qualquer sinal de sujeira, havia sempre alguém para eliminar o foco de bactérias.
Normalmente esse serviço era feito pelo próprio dono e com um único pano de prato que ficava acondicionado ao redor de seu pescoço durante o dia todo. O mesmo pano que enxugava os pratos secava as mãos e o suor da testa. E o balcão... As mesas... As cadeiras... Os talheres...
O Bar Bacana era o único lugar no mundo que servia X-réptil, apelido carinhoso do X-salada, uma das especialidades da casa. Tudo porque, reza a lenda, que o Batuta encontrou um rabo de lagartixa dentro do lanche. Ao reclamar com o dono, foi surpreendido com a atitude do mesmo, que surpreendentemente, retirou o organismo estranho com as próprias mãos e devolveu o lanche para o cliente que não teve alternativa a não ser terminar a refeição. Afinal de contas, ele estava no Bacana, e aquilo não era novidade para ninguém.
Fato semelhante aconteceu com o Yurão, que percebeu uma perna do que parecia ser também uma lagartixa, boiando na sua vitamina de frutas. E ele não ousou se recusar a jogar o líquido fora, já que havia bebido mais da metade do concentrado. Apenas retirou a perna da pobre lagartixa.
Baratas, aquele inseto onívoro e asqueroso, era tratado com o mesmo respeito com que os hindus tratam os elefantes, afinal, não era qualquer barata que suportava viver num ambiente tão insalubre. A parte baixa e interna do balcão era reservada a elas, para as verduras, frutas e afins. Por vezes, “uma meia dúzia de três ou quatro” delas saía para uma aparição relâmpago. Só para provar que o bar continuava como sempre foi.
Por respeito ao proprietário, os clientes mais assíduos, costumavam vomitar do lado de fora, mas todo mundo sabia que aquele resíduo vomitório tinha origem no estabelecimento ao lado.
Nos bons tempos, maionese e ketchup não vinham em saches hermeticamente fechados, eram oferecidos junto com os lanches em bisnagas plásticas, geralmente sem tampas e conservado em geladeiras. Menos no Bacana, que as deixavam em cima do balcão até que a camada superior da maionese começasse a ficar num tom de amarelo mais forte. Se você precisasse ir ao médico por conta de uma diarréia, uma das prováveis perguntas era se você havia comido alguma coisa no Bacana.
Ainda assim, o X-churrasco do lugar é referência de qualidade até os dias de hoje. Pude experimentar e posso garantir que em termos de sabor era realmente gostoso.
Pessoalmente nunca presenciei nada que fosse totalmente fora do comum, mas me recordo de um fato que não me sai da memória: o banheiro do Bacana.
Comecei a namorar a Hellen justamente na época em que minha geração começou a freqüentar o local, e como o ambiente, apesar de “familiar”, não era o mais adequado para se levar alguém a quem se queria causar boa impressão, evitava até passar em frente para não expor minha companheira aos jatos de vômitos que costumavam sair de dentro do bar.
Assim mesmo, numa das poucas oportunidades que tive de entrar no local, fiquei impressionado com o aposento destinado às necessidades fisiológicas dos clientes.
De bexiga estufada fui obrigado a procurar o sanitário para sanar minha vontade incontida de “tirar uma água do joelho”. Pela primeira vez na vida perdi a vontade de mijar!
Aquilo era uma visão do inferno! E se não fosse o próprio inferno, era com certeza o caminho mais curto para se chegar lá!
Era preciso descer uma escada em “L” para ir até ele e já na metade do caminho seus degraus estavam molhados. O cheiro de jaula era perceptível logo no começo da escadaria.
A cada degrau que se descia o medo tomava conta do pensamento daquele que desconhecia o destino final daquela verdadeira jornada pelo inóspito.
Senti um frio na espinha quando percebi que estava chegando ao meu destino e fechei os olhos para que a primeira visão não me ofuscasse a vista. Quando os abri me deparei com o portal do umbral! Nada pode ser mais nojento do que aquilo!
Imagine um cubículo de 1,5 x 1,5 metro, com as paredes de fundo azul sanatório, totalmente rabiscadas, inclusive com pintura a dedo (se é que fui claro), onde a iluminação era feita por uma lâmpada de geladeira, uma descarga daquelas de cordinha emendada com barbante, que não funcionava (para não gastar água) e um cesto de lixo cheio de papel boiando!
Isso mesmo! Papel boiando! Pois teve gente que desencorajado a mijar no vaso optou por um recipiente menos repugnante: o cesto de lixo! E o papel que boiava era de um tipo estranho. Vinha com notícias e fotografias. A marca mais provável era “Notícias Populares”.
O chão era forrado com uma mistura de serragem com jornal velho e água! Duvido que fosse água! Se você fosse campeão de xixi a distância ainda dava para arriscar mijar de longe mesmo, senão tinha que encarar o lodo a sua frente.
Temi por olhar dentro do vaso sanitário, mas a visita não seria completa sem essa visão complementar.
A privada estava tão cheia de massa fecal (merda que se preza não encara aquilo), que havia até partes que ficavam para fora da água! Não vi nada parecido nem no banheiro do Morumbi em dia de clássico!
Meu pinto se recusou a sair de dentro da calça. E mesmo que saísse, minha bexiga inibida se negaria a funcionar! Juro que tomei um banho quando cheguei a minha casa.
Atordoado, voltei para minha mesa, pedi a conta e fui embora. Nunca senti tanta saudade do meu banheiro!
Uma década depois voltei ao bar e, por intermédio de um amigo que era Comandante do Corpo de Bombeiros, descobri que o bar possuía um Toillet VIP. Mas só senhoras e clientes muito importantes tinham acesso a ele. Nele havia até papel higiênico e espelho!
Com tudo isso, é pouco provável que alguém tenha saudades desse bar. Mas não há na cidade quem não tenha uma história hilariante para contar a respeito de algo que tenha acontecido dentre aquelas paredes imundas de gordura e quadros dos times do Palmeiras.
O passado do Bar Bacana está guardado na memória de todos que por lá passaram. Sua “boa” fama se deve a seu jeito único de ser. Ao atendimento de seu proprietário que nunca se queixou das brincadeiras e sempre tentou fazer o melhor por seus clientes, mesmo que esse conceito de melhor seja um pouco diferente do usual.
Claro que nem tudo era sujo! Durante o dia até que era limpinho. O problema era quando havia a superlotação. E isso geralmente ocorria aos fins de semana, durante a noite, quando o bar entupia de homens.
Por tudo isso e mais um monte de motivos estranhos é que posso afirmar: “Nunca houve um bar como o Bacana”.
Mas nunca li a respeito de um bar que tinha tudo para falir em um mês, mas durou tantos e tantos anos primando pelo improvável: a higiene.
Era o caso do “Bar Bacana”. Claro que o nome não era esse. Eu seria ingênuo em expô-lo dessa forma e não esperar nenhuma ação judicial por danos morais.
Bares assim existem aos borbotões e esse só não é mais um deles por que eu o conheci “in loco”.
Desconheço o tempo em que o Bar Bacana permaneceu de portas abertas, mas posso afirmar que durante décadas ele foi o porto seguro de muita gente.
E por que o Bacana era diferente?
Porque ali se via coisas que normalmente só se vê nas comédias de costumes da televisão. Histórias que mereceriam um livro, mas que por pura falta de espaço terei que selecionar apenas algumas que envolveram pessoas de meu círculo de amizades e que são fontes fidedignas da verdade.
Nem todo alcoólatra que conheço começou sua vida de dedicação à manguaça nos balcões desse estabelecimento comercial, mas um dia, indubitavelmente, passou por lá.
Aliás, esse bar era a prova mais inconteste da ineficácia dos órgãos de defesa do consumidor da época. E até dos órgãos que fiscalizavam a venda de bebidas alcóolicas a menores. Suas portas nunca terem sido fechadas é sinal de que ou os órgãos fiscalizadores inexistiam ou simplesmente faziam vista grossa, já que seus próprios funcionários deviam freqüentar o local.
Por mais que se contestasse o nível de higiene do bar, não se deixava de dar pelo menos uma passadinha por lá, só para ver como andavam as coisas.
Para que se tenha uma vaga idéia da proporção do que falo, imagine que o médico mais bem conceituado da cidade, aquele que fez a maioria dos partos de toda uma geração e que era considerado o médico de todas as famílias, não deixava de passar por lá para tomar seu cafezinho de meio de tarde.
Numa dessas tardes, ele adentrou ao estabelecimento e deu de cara com o pai de um amigo meu prestes a saborear uma suculenta e requentada esfirra de carne. Para não perder a piada retirou o salgado das mãos desse senhor sob o pretexto de que deveria prová-la antes que ele pudesse, de alguma forma, estar ingerindo algum tipo de alimento nocivo à saúde. Como médico de sua família era seu dever zelar pelos pacientes. Tudo isso aconteceu na frente do dono do bar que ria compulsivamente.
Uma das tradições do Bacana eram as “farmácias”, que para quem não sabe era uma mistura de tudo o que havia de pior em termos de álcool degustável. Era uma espécie de coquetel com sabor de gasolina que servia única e exclusivamente para embebedar toda uma geração de infantes ávidos por um belo porre. Se não me falha a memória o drink era feito com doses de Fogo Paulista, Cherry, Pepper, Conhaque, Campari e Martini. E ficava marrom com aparência de combustível.
Nunca tive o “prazer” de degustar esse néctar dos deuses, mas quem provou diz que o efeito é quase imediato.
Aliás, seu efeito era tão previsível que embaixo do balcão havia um balde com serragem para ser usado sob o vômito dos candidatos a manguaceiros. Parecia um pit stop da Ferrari: mal o vômito caia no chão já havia alguém com o tal balde e um rodo na mão a espera do momento certo de limpar o chão. Afinal, era preciso manter um ambiente salutar.
E salutar era mais que um adjetivo, era uma meta do bar! A qualquer sinal de sujeira, havia sempre alguém para eliminar o foco de bactérias.
Normalmente esse serviço era feito pelo próprio dono e com um único pano de prato que ficava acondicionado ao redor de seu pescoço durante o dia todo. O mesmo pano que enxugava os pratos secava as mãos e o suor da testa. E o balcão... As mesas... As cadeiras... Os talheres...
O Bar Bacana era o único lugar no mundo que servia X-réptil, apelido carinhoso do X-salada, uma das especialidades da casa. Tudo porque, reza a lenda, que o Batuta encontrou um rabo de lagartixa dentro do lanche. Ao reclamar com o dono, foi surpreendido com a atitude do mesmo, que surpreendentemente, retirou o organismo estranho com as próprias mãos e devolveu o lanche para o cliente que não teve alternativa a não ser terminar a refeição. Afinal de contas, ele estava no Bacana, e aquilo não era novidade para ninguém.
Fato semelhante aconteceu com o Yurão, que percebeu uma perna do que parecia ser também uma lagartixa, boiando na sua vitamina de frutas. E ele não ousou se recusar a jogar o líquido fora, já que havia bebido mais da metade do concentrado. Apenas retirou a perna da pobre lagartixa.
Baratas, aquele inseto onívoro e asqueroso, era tratado com o mesmo respeito com que os hindus tratam os elefantes, afinal, não era qualquer barata que suportava viver num ambiente tão insalubre. A parte baixa e interna do balcão era reservada a elas, para as verduras, frutas e afins. Por vezes, “uma meia dúzia de três ou quatro” delas saía para uma aparição relâmpago. Só para provar que o bar continuava como sempre foi.
Por respeito ao proprietário, os clientes mais assíduos, costumavam vomitar do lado de fora, mas todo mundo sabia que aquele resíduo vomitório tinha origem no estabelecimento ao lado.
Nos bons tempos, maionese e ketchup não vinham em saches hermeticamente fechados, eram oferecidos junto com os lanches em bisnagas plásticas, geralmente sem tampas e conservado em geladeiras. Menos no Bacana, que as deixavam em cima do balcão até que a camada superior da maionese começasse a ficar num tom de amarelo mais forte. Se você precisasse ir ao médico por conta de uma diarréia, uma das prováveis perguntas era se você havia comido alguma coisa no Bacana.
Ainda assim, o X-churrasco do lugar é referência de qualidade até os dias de hoje. Pude experimentar e posso garantir que em termos de sabor era realmente gostoso.
Pessoalmente nunca presenciei nada que fosse totalmente fora do comum, mas me recordo de um fato que não me sai da memória: o banheiro do Bacana.
Comecei a namorar a Hellen justamente na época em que minha geração começou a freqüentar o local, e como o ambiente, apesar de “familiar”, não era o mais adequado para se levar alguém a quem se queria causar boa impressão, evitava até passar em frente para não expor minha companheira aos jatos de vômitos que costumavam sair de dentro do bar.
Assim mesmo, numa das poucas oportunidades que tive de entrar no local, fiquei impressionado com o aposento destinado às necessidades fisiológicas dos clientes.
De bexiga estufada fui obrigado a procurar o sanitário para sanar minha vontade incontida de “tirar uma água do joelho”. Pela primeira vez na vida perdi a vontade de mijar!
Aquilo era uma visão do inferno! E se não fosse o próprio inferno, era com certeza o caminho mais curto para se chegar lá!
Era preciso descer uma escada em “L” para ir até ele e já na metade do caminho seus degraus estavam molhados. O cheiro de jaula era perceptível logo no começo da escadaria.
A cada degrau que se descia o medo tomava conta do pensamento daquele que desconhecia o destino final daquela verdadeira jornada pelo inóspito.
Senti um frio na espinha quando percebi que estava chegando ao meu destino e fechei os olhos para que a primeira visão não me ofuscasse a vista. Quando os abri me deparei com o portal do umbral! Nada pode ser mais nojento do que aquilo!
Imagine um cubículo de 1,5 x 1,5 metro, com as paredes de fundo azul sanatório, totalmente rabiscadas, inclusive com pintura a dedo (se é que fui claro), onde a iluminação era feita por uma lâmpada de geladeira, uma descarga daquelas de cordinha emendada com barbante, que não funcionava (para não gastar água) e um cesto de lixo cheio de papel boiando!
Isso mesmo! Papel boiando! Pois teve gente que desencorajado a mijar no vaso optou por um recipiente menos repugnante: o cesto de lixo! E o papel que boiava era de um tipo estranho. Vinha com notícias e fotografias. A marca mais provável era “Notícias Populares”.
O chão era forrado com uma mistura de serragem com jornal velho e água! Duvido que fosse água! Se você fosse campeão de xixi a distância ainda dava para arriscar mijar de longe mesmo, senão tinha que encarar o lodo a sua frente.
Temi por olhar dentro do vaso sanitário, mas a visita não seria completa sem essa visão complementar.
A privada estava tão cheia de massa fecal (merda que se preza não encara aquilo), que havia até partes que ficavam para fora da água! Não vi nada parecido nem no banheiro do Morumbi em dia de clássico!
Meu pinto se recusou a sair de dentro da calça. E mesmo que saísse, minha bexiga inibida se negaria a funcionar! Juro que tomei um banho quando cheguei a minha casa.
Atordoado, voltei para minha mesa, pedi a conta e fui embora. Nunca senti tanta saudade do meu banheiro!
Uma década depois voltei ao bar e, por intermédio de um amigo que era Comandante do Corpo de Bombeiros, descobri que o bar possuía um Toillet VIP. Mas só senhoras e clientes muito importantes tinham acesso a ele. Nele havia até papel higiênico e espelho!
Com tudo isso, é pouco provável que alguém tenha saudades desse bar. Mas não há na cidade quem não tenha uma história hilariante para contar a respeito de algo que tenha acontecido dentre aquelas paredes imundas de gordura e quadros dos times do Palmeiras.
O passado do Bar Bacana está guardado na memória de todos que por lá passaram. Sua “boa” fama se deve a seu jeito único de ser. Ao atendimento de seu proprietário que nunca se queixou das brincadeiras e sempre tentou fazer o melhor por seus clientes, mesmo que esse conceito de melhor seja um pouco diferente do usual.
Claro que nem tudo era sujo! Durante o dia até que era limpinho. O problema era quando havia a superlotação. E isso geralmente ocorria aos fins de semana, durante a noite, quando o bar entupia de homens.
Por tudo isso e mais um monte de motivos estranhos é que posso afirmar: “Nunca houve um bar como o Bacana”.
“O CARNAVAL JÁ NÃO É MAIS O MESMO”
Sei que essa frase já está mais do que manjada, mas ela é cada dia mais atual e apropriada para definir o carnaval.
Esse ano não foi diferente. Aliás, foi pior!
Pela primeira vez, desde que comecei a prestar atenção aos festejos de Momo, não vi o Jamelão puxando o samba da Mangueira! E nem o narrador se auto-corrigindo pela “enésima” vez: “O Jamelão detesta que o chame de puxador de samba, ele gosta de ser chamado de intérprete”.
Ainda me lembro da época em que o carnaval do Rio era na Avenida Rio Branco, as arquibancadas de madeira e a Portela ganhava sempre alguma coisa.
São Paulo fazia sua festa na Avenida Tiradentes e era considerada pelos bairristas cariocas como o túmulo do samba!
Hoje o carnaval tem seu próprio templo em ambas as cidades e a diferença de qualidade está cada dia se estreitando mais.
Se São Paulo era o túmulo do samba Amparo seria o quê? O purgatório?
O carnaval por aqui é já bem tradicional. Inclusive o carnaval de rua, que atualmente desfila para uma média de 15000 pessoas por dia.
Minha primeira imagem do tema reporta os meados da década de 70 e para uma figura respeitabilíssima que subia e descia a Rua Treze de Maio vestida de índio. Trajando uma saia e um cocar de penas brancas o Sr. Antônio Di Santi surgia aos berros imitando o gritos de guerra dos “peles vermelhas” do cinema.
Sempre que ele avistava uma criança vinha em sua direção e colocava a mão em sua cabeça como que nos abençoando. Décadas depois eu vim a descobrir que esse senhor era espírita e na verdade estava mesmo nos dando um passe e brincando o carnaval ao mesmo tempo.
Hoje vejo isso com ternura, mas na época eu odiava aquela figura desgraçada que deixava a mim e aos meus colegas com as pernas bambas de medo.
Mas havia o respeito típico de outrora. Nossos pais o tratavam com carinho e o povo o aplaudia como quem vê ali um herói. Acredito que nos dias de hoje o “Índio” do Sr. Antônio seria motivo de chacota da molecada e fatalmente voltaria para casa envolto numa crosta de espuma que a platéia haveria de esguichar por cima dele. Fora as vaias e os gritos de “viadinho, viadinho...”.
Quando de minha tenra idade ainda havia as matinês nos clubes. A criançada ia para lá às duas da tarde e ficava até umas seis, no máximo, pulando ao som das antigas marchinhas de carnaval devidamente acompanhadas de suas mães.
Tenho guardada com carinho uma única foto em que apareço vestido com uma tanga igual a do Tarzan que meu pai, então sapateiro, confeccionou com material da própria oficina. Lembro-me bem pouco desse dia, mas o pouco que lembro me remete a idéia de que não cheguei a brincar por mais do que dois minutos. Eu era tímido...
Assim como hoje a cidade não possuía mais do que quatro escolas de samba: a Verde e Rosa (conhecida como escola do Nato), o João Sujo, o Peraltas e a Estação. Essa última tinha na rua onde eu morava boa parte de seus dirigentes e como não poderia deixar de ser era a preferida de seus moradores. Menos de um: eu, que torcia pela Verde e Rosa (eu sempre fui do contra! Torcia pelo São Paulo numa época em que só havia torcedores de Santos, Corinthians e Palmeiras).
Era uma época em que o samba amparense ainda engatinhava e a bateria de uma escola possuía instrumentos que hoje nem se vê mais por aí, como atabaque e pratos de metal. E o tamborim era feito com pele de gato e se chamava teco-teco!
Nunca desfilei, ao contrário de meus colegas de Rua Carlos Gomes. Um deles, o Fabian, é hoje Mestre-Sala de uma escola de samba que nem existia nessa época. Seu pai, o Raul, fora presidente da Estação e compositor de um dos sambas mais populares da época, que falava de Gabriela, personagem de um romance de Jorge Amado.
Mas foi na adolescência que o carnaval teve maior influência na minha vida, pois acompanhei com olhos de entendedor o que acontecia em minha volta.
Torcia e comentava com meus amigos o que acontecia nos desfiles do Rio de Janeiro e debochava do carnaval provinciano de minha cidade, que nem competição tinha mais devido a tantas brigas. Mas não tinha idade para freqüentar os bailes de salão, o “must” da época!
Mas como todo adolescente acompanhava atentamente os bailes de salão que a TV Bandeirantes transmitia todas as noites até o meio da madrugada. Inesquecíveis os bailes do Monte Líbano, do Vermelho e Preto e do Scala...
Inesquecíveis por quê?
Oras! Porque tinha muita mulher pelada e sacanagem! Que outro motivo prenderia uma geração inteira de adolescentes na frente da tela de uma televisão até às 3 da manhã?
E não pense que exibiam cenas de sexo explícito! Era, quando muito, um festival de seios e bundas. Mui raramente se via uma passada de mão aqui ou ali.
Como esquecer do Otávio Mesquita, ainda um desconhecido, entrevistando um italiano debaixo de uma mesa enquanto esse era devidamente sugado por uma mulata voraz?
Nos dias seguintes fazíamos a famosa “vaquinha” na escola para comprar revistinhas de sacanagem com fotos proibidas dos carnavais que víamos pela TV. Cada dia um tinha o direito de levá-la para casa e fazer o que bem entendesse...
Fomos uma geração que cresceu com L.E.R. no braço direito. Alguns no esquerdo...
Ficava ouvindo as histórias dos garotos mais velhos que freqüentavam os salões da cidade e imaginava como seria o carnaval daqui. Será que a mulherada também colocava as “coisas” para fora?
Menor de idade só ia para o salão com alvará retirado no fórum! Quer dizer... Isso na teoria.
Quando me dei conta de que os clubes faziam “vista grossa” para isso também já havia perdido alguns carnavais. Bunda mole...
Mas meu dia ia chegar! E chegou.
Ainda assim demorou mais um pouco, pois essa besta que vos escreve decidiu inaugurar sua primeira noite de carnaval tomando um porre de St. Remy!
Antes de ir para o salão passei em casa para vomitar um pouco e de lá não mais saí naquela noite.
Mas na noite seguinte fui à forra e descobri algo que nunca imaginei fosse acontecer: descobri que não via muita graça nos carnavais de salão.
Confesso que a maioria de meus carnavais no salão foi meio induzida pela pressão de meus colegas. Não sei por que, mas nunca achei divertido ficar dando voltas no salão com um copo na mão ou cheirando lança perfume caseiro com fragrância de abacaxi.
Até me divertia com as palhaçadas, mas confesso que não ficava ansioso pela chegada dos bailes. Talvez pelo fato de sermos um bando de jacus que não pegavam nada o carnaval tinha um “que” de decepção. Não éramos tão feios ou babacas, éramos crianças que jamais iriam pegar alguma menina, pois a maioria era bem mais velha que a gente e as poucas que tinham nossa faixa etária queriam mesmo é saber de garotos mais velhos. Aquele papo de que “menina de bem” não freqüentava salão de carnaval antes de fazer 16 aninhos era quase uma regra naquela sociedade hipócrita.
Mas se por um lado não comi ninguém e não me diverti tanto quanto gostaria, presenciei coisas que são motivos de gargalhadas na mesa de um bar 20 anos depois de acontecerem. Eu e meus amigos recordamos com prazer das coisas engraçadas (outras nem tanto) que víamos e às vezes protagonizávamos.
O que não falta em carnaval é bêbado. E bêbado é uma merda...
Por conta da bebedeira de pessoas que não saem de casa para se divertir e sim para estragar a diversão dos outros vi brigas memoráveis e porque não dizer “históricas”!
A primeira vez que vi uma briga de socos, nariz sangrando, garrafadas e intervenção policial foi num baile de carnaval. E se não me falha a memória envolvia dois playboys da época: o Tico e o Teço (nomes fictícios). Só me lembro do barulho de garrafas e tapas logo ao meu lado e da banda que parou de tocar porque o couro tava comendo legal no salão.
“Eu tava lá! Vi tudo com meus próprios olhos!” – me orgulhava em dizer no outro dia e até anos mais tarde.
Mas a briga mais impressionante que presenciei foi a de um salão contra três paulistanos que resolveram mexer com a garota de um rapaz bastante querido pela platéia. Até hoje nunca vi alguém apanhar tanto como aqueles três coitados. A muvuca se arrastou para o lado de fora do salão e a partir daí eu não vi mais nada. Já estava suficientemente impressionado com a barbárie. Reza a lenda que um deles chegou a ser jogado dentro do rio que corta a cidade e passa ao lado do clube.
Mas nem só de pancadaria vive o reinado de Momo!
Uma bela noite, lá pelas tantas da madrugada ficamos assistindo a uma cena cômica. Um cidadão parou no canto do palco, que não ficava a mais do que um metro do chão da quadra e resolveu esticar uma carreira de pó para cheirar. Como ele já estava num estado de bebedeira bastante avançada seu esforço para conseguir construir a trilha de cocaína era quase comovente.
Ficamos ali, a poucos metros da cena, nos divertindo com sua saga em busca da cocaína voadora!
O que ele não sabia era que o Negão que tocava surdo na banda que animava a festa também estava assistindo ao seu show.
Só que o Negão era daqueles que gostavam de uma farra e assim que o viciado terminava a sua obra de arte ele mirava a parte debaixo do surdo para o pó devidamente “esticado” e com o deslocamento de ar que saía do instrumento fazia a “carreira” literalmente ir pelos ares.
O bebaça, de mãos na cintura, não entendia o que estava acontecendo e reclamava com algum amigo imaginário. Em seguida esticava outra. E para o nosso deleite assim que ela estava pronta o Negão nos dava uma piscadela e “Tum Tum Tum” em cima da carreira do pobre infeliz.
Essa epopéia durou umas três ou quatro carreiras até que o estoque do rapaz acabou e ele se voltou para o bar.
Os seguranças do clube eram uns casos a parte. Vimos um que, inconformado com determinada ordem recebida, pegou o seu guarda chuva e disse que ia para a casa de sua mãe. Parecia uma criança de dez anos com corpo de rinoceronte.
Outro tinha o hábito de coibir severamente o uso de lança perfume. Assim que ele detectava algum desconhecido cheirando um lenço ele avançava em sua direção e educadamente retirava de suas mãos a droga da moda.
Não colocava o usuário para fora, nem fazia escândalo. Apenas guardava o frasco em um local seguro para, mais tarde, vir nos oferecer por um preçinho camarada.
Lembro-me desse segurança completamente chapado pulando carnaval abraçado com seus companheiros num fim de noite qualquer.
Falando em lança perfumes...
Nada foi mais adrenalizante e engraçado do que ver o Baixinho entrar no salão com um tubo de lança da pior qualidade, na cintura.
Compramos, através da famosa vaquinha, um tubo de lança perfume “importado” do Paraguai. Quem nos vendeu foi nosso camarada que carinhosamente chamávamos de “Trambique”, um sujeito que já aos 15 anos vendia muamba.
Era “um tubo metálico de cor púrpura que exalava uma porcaria que nem “barato” dava direito”, mas para a garotada era transgressão do mesmo jeito. O que importava era aprontar!
Já na porta do clube pintou uma dúvida: quem iria passar pela revista da polícia com o tubo escondido?
A gente não estava a fim de cheirar a “coisa” do lado de fora do salão! O legal era mandar ver lá dentro! Mas ninguém se oferecera para ser a “mula”.
E como os tempos de ditadura militar já se esvairam decidimos da forma mais democrática possível: na base do “dois ou um”!
Nós, os cinco sócios do lança, fizemos uma rodinha no estacionamento e fomos tirando “dois ou um” até que só restasse um perdedor. Quem colocasse uma quantidade diferente de dedos dos outros estava livre. Eu fui o segundo a sair e observei com um sadismo amoral o suor de medo que escorria da testa dos que ficaram no jogo.
No final a responsabilidade de carregar o entorpecente para dentro do salão ficou com o sujeito mais correto e educado de todos nós: o Baixinho!
Seria trágico se não fosse cômico! Dava para ver as perninhas do garoto tremendo de medo!
E quem fazia a revista não eram os seguranças do clube. Se fossem você entrava com uma árvore de maconha numa mão e uma AR15 na outra. Quem fazia a vistoria era a própria Polícia Militar!
Justamente nesse dia o Tenente que comandava a tropa estava por lá.
O pobre do Baixinho nem respirava de tanto medo! Passamos primeiro, ele depois. E talvez por ele ter uma cara de gente de bem a revista foi superficial e o pobre diabo passou incólume às mãos dos “puliça”.
Vibramos de alívio, mas durou pouco. A besta resolveu comemorar a façanha a pouco mais de cinco metros da revista como se tivesse marcado um gol em final de campeonato!
Com os punhos para cima ele nos olhou em glória total sem pensar que logo atrás dele havia pelo menos cinco policiais prontos para pegá-lo de jeito.
Do alto da escada observei todo o desenrolar da ação e quando o vi com os braços para o alto pensei: “Fudeu!”.
Mas Deus ficou com tanta pena da sua asneira que manteve os “puliça” ocupados com outras coisas.
Colocamos o pequeno infrator para dentro do salão aos berros de: “Cê tá loco?!” E pude sentir o seu braço gelado pelo medo.
Aquela porcaria não durou mais do que meia hora, mas rendeu boas risadas. Depois que tudo dá certo fica fácil rir, não é verdade?
No fim dessa noite tivemos nosso momento de glória. Um sujeito que devia ter bebido lança, ao invés de cheirar veio até o meio do salão com sua namorada gostosa e igualmente chapada para dançar.
A alcatéia de pequenos tarados parou ao lado dos dois só para ver a bermudinha de algodão da moça quase que totalmente atochada na bunda.
Enquanto seu namorado se entorpecia de mais lança a moça fazia a alegria da garotada dançando conosco o samba-enredo que mais pegou naquele carnaval e que dizia em seu refrão: “Tem bumbum de fora pra chuchu, qualquer dia é todo mundo nu”.
Só que a Cinderela entorpecida cantava junto conosco aos risos: “Tem bumbum de fora pra chuchu, qualquer dia eu vou tomar no cu”. E a gente só faltou abraçá-la na frente do moço que insistia em não parar de pé de tão maluco que estava.
Duas coisas que eu não me esqueço desse acontecimento: a bunda da loira e a cara de merda do corno bebaça que ria sem entender nada.
Eu só fui ter uma real noção de como ficamos idiotas sob o efeito do lança quando, alguns anos depois, comecei a namorar a Hellen e fui ao salão com ela.
Como eu não era otário de levar minha namorada na cova dos leões (leia-se meio do salão), fiquei nas mesas bem comportadinho dançando e beijando minha recém adquirida companheira. De lá tinha uma visão quase que geral do que acontecia ao meu redor. E finalmente descobri porque a gente não pegava ninguém!
Volta e meia meus amigos passavam a minha frente e a cena que eu via era desanimadora...
Um bando de moleques completamente chapados se apoiando uns nos outros para não cair no chão. Era o trenzinho dos chapados!
Quando eles passavam batia um cheiro de lança perfume vagabundo que nem a menos criteriosa das mulheres seria capaz de aceitar!
Era deprimente!
Eu tinha duas certezas absolutas: eles estavam se divertindo bastante e o máximo que poderia acontecer no final daquela noite em termos de sexo era uma sessão de “auto-ajuda” em casa! Mulher nem pensar!
Eu até que sentia vontade de estar um pouquinho com eles, mas com certeza a minha noite terminaria bem melhor do jeito que estava...
Mas a maior e mais infantil de minhas glórias carnavalescas aconteceu ao lado do Pavão!
Foi algo absolutamente imbecil, infantil, estúpido, grosseiro, boçal e pacóvio, mas naquele momento foi muito divertido. E hoje, relembrando tudo o que aconteceu, mais ainda!
Não existe status maior para um adolescente do sexo masculino do que se gabar do que fez, mesmo que não tenha feito.
E diferentemente de hoje em dia, voltar para casa com o sol no céu era algo que só os mais “fodas” conseguiam. E um dia nós dois fomos os “fodas”!
Voltamos para casa as 08h30min de uma quarta-feira de cinzas!
Não... Ao contrário do que você está pensando nós não dormimos com a putada, nem terminamos a noite deitados no meio fio babando verde de tanta bebedeira. Nós simplesmente ficamos até a essa hora no salão só pelo prazer de poder contar vantagem para os amigos!
Não comemos ninguém, não beijamos ninguém, nem enfiamos o pé na jaca! Apenas testamos nossos limites de paciência.
Fizemos um pacto (?) na noite anterior que consistia em só deixar o salão quando a banda desligasse a aparelhagem de som. E assim fizemos. E não fomos os únicos! Havia mais cretinos como nós que gostavam dessa brincadeira...
Lá pelas quatro da manhã estávamos dormindo em pé, mas pacto é pacto! Encostamos no palco e esperamos até o último segundo para deixar o salão. Dali só saía-mos para lavar o rosto no banheiro ou dançar um pouco para acordar. Eu disse dançar?
Nossas pernas nem se moviam mais sem se dobrarem. Aquilo já era uma questão de honra, um ato heróico de dois garotos com dezessete anos que precisavam de uma história para contar.
Suportamos tudo aquilo bravamente!
E fomos contemplados com um prêmio inesperado e sonhado por qualquer Athleticano como nós: um mergulho na piscina do Irapuã!
Até aí, nada demais, certo? Já explico onde estava a graça...
Na época o presidente do clube era um cara totalmente maluco, e no final daquela noite ele subiu ao palco e anunciou com a voz característica de quem bebeu uma garrafa de vodka: “A piscina ta liberada cambada!!!”.
Tal qual o estouro de uma boiada a galera subiu até o conjunto aquático e se esbaldou nas gélidas águas que a manhã proporcionava.
Lembro-me do Pavão com o seu par de tênis azul royal, modelo iate, da Rainha, na mão, pulando de cabeça na minha frente. Eu pulei de bunda com tênis e tudo! Tênis não, eu usava um modelo conhecido como “chineizinho” que durou exatamente as quatro noites de carnaval, pois voltei descalço para casa.
Aí é que entra a parte ridícula e cômica da história.
Antigamente o Irapuã era um clube considerado de classe alta. O Floresta um clube de classe média e o Athlético o clube do povão.
Nessa época isso já não valia mais porque as coisas já haviam mudado bastante, mas a fama continuava a mesma. Nós do “proletariado” mesmo tendo um clube infinitas vezes melhor, ainda víamos o Irapuã como quem vê a elite.
Quando demos por conta estávamos nadando em águas inimigas e como que por encanto nos veio a mente a chance de nos vingar dos “playboyzinhos”.
E o que que um pobre faria numa hora dessas? Claro... Mijaria na piscina!
E foi exatamente o que fizemos! E o fizemos rindo de escorrer lágrimas dos olhos!
Saímos completamente realizados de lá e nem demos moral para uma turma que insistia em batucar na porta do clube como que clamando por mais umas migalhas de folia! Para nós não precisava mais nada! O esforço já havia valido a pena!
Mesmo que o filtro limpasse, nossa marca havia ficado para sempre no tanque dos “tubarões”! Era a forra!
Eu juro que ainda não acredito que fiz isso... Mas o Pavão me lembrou o caso há alguns dias atrás e rimos compulsivamente de nossa própria ignorância.
Hoje meus carnavais se resumem a sair fantasiado de mulher na terça-feira de carnaval no já tradicional Banho da Doroti, mas confesso que o carnaval já não tem mais a mesma graça.
Já não temos mais a inocência de achar que se brinca carnaval com um lenço ensopado de lança na boca, já não temos sequer os bailes de salão, já não temos o chato do Índio para nos assustar, nem a Spaca Montagna para nos fazer rir, não nos excitamos em frente à TV já que aquilo que ela mostrava de madrugada agora é fato recorrente da novela das oito (que começa as 9), já não temos nem o Jamelão “interpretando” o samba da Mangueira, não temos “Bumbum de fora pra chuchu, nem “Explode coração na maior felicidade”...
Só nos resta a mesmice dos enredos manjados de conotação Afro-Oriental.
Não agüento mais cantar “ O apogeu e glória do Rei Nagô nas terras férteis de Tupi sob os olhares condescendentes da Coroa Imperial. O sol de um novo amanhecer no horizonte de Iemanjá”.
“Gabriela, cravo e canela... Seu corpo maravilha não era só dela...”
É Seu Raul... Tu fazes falta meu velho...
Esse ano não foi diferente. Aliás, foi pior!
Pela primeira vez, desde que comecei a prestar atenção aos festejos de Momo, não vi o Jamelão puxando o samba da Mangueira! E nem o narrador se auto-corrigindo pela “enésima” vez: “O Jamelão detesta que o chame de puxador de samba, ele gosta de ser chamado de intérprete”.
Ainda me lembro da época em que o carnaval do Rio era na Avenida Rio Branco, as arquibancadas de madeira e a Portela ganhava sempre alguma coisa.
São Paulo fazia sua festa na Avenida Tiradentes e era considerada pelos bairristas cariocas como o túmulo do samba!
Hoje o carnaval tem seu próprio templo em ambas as cidades e a diferença de qualidade está cada dia se estreitando mais.
Se São Paulo era o túmulo do samba Amparo seria o quê? O purgatório?
O carnaval por aqui é já bem tradicional. Inclusive o carnaval de rua, que atualmente desfila para uma média de 15000 pessoas por dia.
Minha primeira imagem do tema reporta os meados da década de 70 e para uma figura respeitabilíssima que subia e descia a Rua Treze de Maio vestida de índio. Trajando uma saia e um cocar de penas brancas o Sr. Antônio Di Santi surgia aos berros imitando o gritos de guerra dos “peles vermelhas” do cinema.
Sempre que ele avistava uma criança vinha em sua direção e colocava a mão em sua cabeça como que nos abençoando. Décadas depois eu vim a descobrir que esse senhor era espírita e na verdade estava mesmo nos dando um passe e brincando o carnaval ao mesmo tempo.
Hoje vejo isso com ternura, mas na época eu odiava aquela figura desgraçada que deixava a mim e aos meus colegas com as pernas bambas de medo.
Mas havia o respeito típico de outrora. Nossos pais o tratavam com carinho e o povo o aplaudia como quem vê ali um herói. Acredito que nos dias de hoje o “Índio” do Sr. Antônio seria motivo de chacota da molecada e fatalmente voltaria para casa envolto numa crosta de espuma que a platéia haveria de esguichar por cima dele. Fora as vaias e os gritos de “viadinho, viadinho...”.
Quando de minha tenra idade ainda havia as matinês nos clubes. A criançada ia para lá às duas da tarde e ficava até umas seis, no máximo, pulando ao som das antigas marchinhas de carnaval devidamente acompanhadas de suas mães.
Tenho guardada com carinho uma única foto em que apareço vestido com uma tanga igual a do Tarzan que meu pai, então sapateiro, confeccionou com material da própria oficina. Lembro-me bem pouco desse dia, mas o pouco que lembro me remete a idéia de que não cheguei a brincar por mais do que dois minutos. Eu era tímido...
Assim como hoje a cidade não possuía mais do que quatro escolas de samba: a Verde e Rosa (conhecida como escola do Nato), o João Sujo, o Peraltas e a Estação. Essa última tinha na rua onde eu morava boa parte de seus dirigentes e como não poderia deixar de ser era a preferida de seus moradores. Menos de um: eu, que torcia pela Verde e Rosa (eu sempre fui do contra! Torcia pelo São Paulo numa época em que só havia torcedores de Santos, Corinthians e Palmeiras).
Era uma época em que o samba amparense ainda engatinhava e a bateria de uma escola possuía instrumentos que hoje nem se vê mais por aí, como atabaque e pratos de metal. E o tamborim era feito com pele de gato e se chamava teco-teco!
Nunca desfilei, ao contrário de meus colegas de Rua Carlos Gomes. Um deles, o Fabian, é hoje Mestre-Sala de uma escola de samba que nem existia nessa época. Seu pai, o Raul, fora presidente da Estação e compositor de um dos sambas mais populares da época, que falava de Gabriela, personagem de um romance de Jorge Amado.
Mas foi na adolescência que o carnaval teve maior influência na minha vida, pois acompanhei com olhos de entendedor o que acontecia em minha volta.
Torcia e comentava com meus amigos o que acontecia nos desfiles do Rio de Janeiro e debochava do carnaval provinciano de minha cidade, que nem competição tinha mais devido a tantas brigas. Mas não tinha idade para freqüentar os bailes de salão, o “must” da época!
Mas como todo adolescente acompanhava atentamente os bailes de salão que a TV Bandeirantes transmitia todas as noites até o meio da madrugada. Inesquecíveis os bailes do Monte Líbano, do Vermelho e Preto e do Scala...
Inesquecíveis por quê?
Oras! Porque tinha muita mulher pelada e sacanagem! Que outro motivo prenderia uma geração inteira de adolescentes na frente da tela de uma televisão até às 3 da manhã?
E não pense que exibiam cenas de sexo explícito! Era, quando muito, um festival de seios e bundas. Mui raramente se via uma passada de mão aqui ou ali.
Como esquecer do Otávio Mesquita, ainda um desconhecido, entrevistando um italiano debaixo de uma mesa enquanto esse era devidamente sugado por uma mulata voraz?
Nos dias seguintes fazíamos a famosa “vaquinha” na escola para comprar revistinhas de sacanagem com fotos proibidas dos carnavais que víamos pela TV. Cada dia um tinha o direito de levá-la para casa e fazer o que bem entendesse...
Fomos uma geração que cresceu com L.E.R. no braço direito. Alguns no esquerdo...
Ficava ouvindo as histórias dos garotos mais velhos que freqüentavam os salões da cidade e imaginava como seria o carnaval daqui. Será que a mulherada também colocava as “coisas” para fora?
Menor de idade só ia para o salão com alvará retirado no fórum! Quer dizer... Isso na teoria.
Quando me dei conta de que os clubes faziam “vista grossa” para isso também já havia perdido alguns carnavais. Bunda mole...
Mas meu dia ia chegar! E chegou.
Ainda assim demorou mais um pouco, pois essa besta que vos escreve decidiu inaugurar sua primeira noite de carnaval tomando um porre de St. Remy!
Antes de ir para o salão passei em casa para vomitar um pouco e de lá não mais saí naquela noite.
Mas na noite seguinte fui à forra e descobri algo que nunca imaginei fosse acontecer: descobri que não via muita graça nos carnavais de salão.
Confesso que a maioria de meus carnavais no salão foi meio induzida pela pressão de meus colegas. Não sei por que, mas nunca achei divertido ficar dando voltas no salão com um copo na mão ou cheirando lança perfume caseiro com fragrância de abacaxi.
Até me divertia com as palhaçadas, mas confesso que não ficava ansioso pela chegada dos bailes. Talvez pelo fato de sermos um bando de jacus que não pegavam nada o carnaval tinha um “que” de decepção. Não éramos tão feios ou babacas, éramos crianças que jamais iriam pegar alguma menina, pois a maioria era bem mais velha que a gente e as poucas que tinham nossa faixa etária queriam mesmo é saber de garotos mais velhos. Aquele papo de que “menina de bem” não freqüentava salão de carnaval antes de fazer 16 aninhos era quase uma regra naquela sociedade hipócrita.
Mas se por um lado não comi ninguém e não me diverti tanto quanto gostaria, presenciei coisas que são motivos de gargalhadas na mesa de um bar 20 anos depois de acontecerem. Eu e meus amigos recordamos com prazer das coisas engraçadas (outras nem tanto) que víamos e às vezes protagonizávamos.
O que não falta em carnaval é bêbado. E bêbado é uma merda...
Por conta da bebedeira de pessoas que não saem de casa para se divertir e sim para estragar a diversão dos outros vi brigas memoráveis e porque não dizer “históricas”!
A primeira vez que vi uma briga de socos, nariz sangrando, garrafadas e intervenção policial foi num baile de carnaval. E se não me falha a memória envolvia dois playboys da época: o Tico e o Teço (nomes fictícios). Só me lembro do barulho de garrafas e tapas logo ao meu lado e da banda que parou de tocar porque o couro tava comendo legal no salão.
“Eu tava lá! Vi tudo com meus próprios olhos!” – me orgulhava em dizer no outro dia e até anos mais tarde.
Mas a briga mais impressionante que presenciei foi a de um salão contra três paulistanos que resolveram mexer com a garota de um rapaz bastante querido pela platéia. Até hoje nunca vi alguém apanhar tanto como aqueles três coitados. A muvuca se arrastou para o lado de fora do salão e a partir daí eu não vi mais nada. Já estava suficientemente impressionado com a barbárie. Reza a lenda que um deles chegou a ser jogado dentro do rio que corta a cidade e passa ao lado do clube.
Mas nem só de pancadaria vive o reinado de Momo!
Uma bela noite, lá pelas tantas da madrugada ficamos assistindo a uma cena cômica. Um cidadão parou no canto do palco, que não ficava a mais do que um metro do chão da quadra e resolveu esticar uma carreira de pó para cheirar. Como ele já estava num estado de bebedeira bastante avançada seu esforço para conseguir construir a trilha de cocaína era quase comovente.
Ficamos ali, a poucos metros da cena, nos divertindo com sua saga em busca da cocaína voadora!
O que ele não sabia era que o Negão que tocava surdo na banda que animava a festa também estava assistindo ao seu show.
Só que o Negão era daqueles que gostavam de uma farra e assim que o viciado terminava a sua obra de arte ele mirava a parte debaixo do surdo para o pó devidamente “esticado” e com o deslocamento de ar que saía do instrumento fazia a “carreira” literalmente ir pelos ares.
O bebaça, de mãos na cintura, não entendia o que estava acontecendo e reclamava com algum amigo imaginário. Em seguida esticava outra. E para o nosso deleite assim que ela estava pronta o Negão nos dava uma piscadela e “Tum Tum Tum” em cima da carreira do pobre infeliz.
Essa epopéia durou umas três ou quatro carreiras até que o estoque do rapaz acabou e ele se voltou para o bar.
Os seguranças do clube eram uns casos a parte. Vimos um que, inconformado com determinada ordem recebida, pegou o seu guarda chuva e disse que ia para a casa de sua mãe. Parecia uma criança de dez anos com corpo de rinoceronte.
Outro tinha o hábito de coibir severamente o uso de lança perfume. Assim que ele detectava algum desconhecido cheirando um lenço ele avançava em sua direção e educadamente retirava de suas mãos a droga da moda.
Não colocava o usuário para fora, nem fazia escândalo. Apenas guardava o frasco em um local seguro para, mais tarde, vir nos oferecer por um preçinho camarada.
Lembro-me desse segurança completamente chapado pulando carnaval abraçado com seus companheiros num fim de noite qualquer.
Falando em lança perfumes...
Nada foi mais adrenalizante e engraçado do que ver o Baixinho entrar no salão com um tubo de lança da pior qualidade, na cintura.
Compramos, através da famosa vaquinha, um tubo de lança perfume “importado” do Paraguai. Quem nos vendeu foi nosso camarada que carinhosamente chamávamos de “Trambique”, um sujeito que já aos 15 anos vendia muamba.
Era “um tubo metálico de cor púrpura que exalava uma porcaria que nem “barato” dava direito”, mas para a garotada era transgressão do mesmo jeito. O que importava era aprontar!
Já na porta do clube pintou uma dúvida: quem iria passar pela revista da polícia com o tubo escondido?
A gente não estava a fim de cheirar a “coisa” do lado de fora do salão! O legal era mandar ver lá dentro! Mas ninguém se oferecera para ser a “mula”.
E como os tempos de ditadura militar já se esvairam decidimos da forma mais democrática possível: na base do “dois ou um”!
Nós, os cinco sócios do lança, fizemos uma rodinha no estacionamento e fomos tirando “dois ou um” até que só restasse um perdedor. Quem colocasse uma quantidade diferente de dedos dos outros estava livre. Eu fui o segundo a sair e observei com um sadismo amoral o suor de medo que escorria da testa dos que ficaram no jogo.
No final a responsabilidade de carregar o entorpecente para dentro do salão ficou com o sujeito mais correto e educado de todos nós: o Baixinho!
Seria trágico se não fosse cômico! Dava para ver as perninhas do garoto tremendo de medo!
E quem fazia a revista não eram os seguranças do clube. Se fossem você entrava com uma árvore de maconha numa mão e uma AR15 na outra. Quem fazia a vistoria era a própria Polícia Militar!
Justamente nesse dia o Tenente que comandava a tropa estava por lá.
O pobre do Baixinho nem respirava de tanto medo! Passamos primeiro, ele depois. E talvez por ele ter uma cara de gente de bem a revista foi superficial e o pobre diabo passou incólume às mãos dos “puliça”.
Vibramos de alívio, mas durou pouco. A besta resolveu comemorar a façanha a pouco mais de cinco metros da revista como se tivesse marcado um gol em final de campeonato!
Com os punhos para cima ele nos olhou em glória total sem pensar que logo atrás dele havia pelo menos cinco policiais prontos para pegá-lo de jeito.
Do alto da escada observei todo o desenrolar da ação e quando o vi com os braços para o alto pensei: “Fudeu!”.
Mas Deus ficou com tanta pena da sua asneira que manteve os “puliça” ocupados com outras coisas.
Colocamos o pequeno infrator para dentro do salão aos berros de: “Cê tá loco?!” E pude sentir o seu braço gelado pelo medo.
Aquela porcaria não durou mais do que meia hora, mas rendeu boas risadas. Depois que tudo dá certo fica fácil rir, não é verdade?
No fim dessa noite tivemos nosso momento de glória. Um sujeito que devia ter bebido lança, ao invés de cheirar veio até o meio do salão com sua namorada gostosa e igualmente chapada para dançar.
A alcatéia de pequenos tarados parou ao lado dos dois só para ver a bermudinha de algodão da moça quase que totalmente atochada na bunda.
Enquanto seu namorado se entorpecia de mais lança a moça fazia a alegria da garotada dançando conosco o samba-enredo que mais pegou naquele carnaval e que dizia em seu refrão: “Tem bumbum de fora pra chuchu, qualquer dia é todo mundo nu”.
Só que a Cinderela entorpecida cantava junto conosco aos risos: “Tem bumbum de fora pra chuchu, qualquer dia eu vou tomar no cu”. E a gente só faltou abraçá-la na frente do moço que insistia em não parar de pé de tão maluco que estava.
Duas coisas que eu não me esqueço desse acontecimento: a bunda da loira e a cara de merda do corno bebaça que ria sem entender nada.
Eu só fui ter uma real noção de como ficamos idiotas sob o efeito do lança quando, alguns anos depois, comecei a namorar a Hellen e fui ao salão com ela.
Como eu não era otário de levar minha namorada na cova dos leões (leia-se meio do salão), fiquei nas mesas bem comportadinho dançando e beijando minha recém adquirida companheira. De lá tinha uma visão quase que geral do que acontecia ao meu redor. E finalmente descobri porque a gente não pegava ninguém!
Volta e meia meus amigos passavam a minha frente e a cena que eu via era desanimadora...
Um bando de moleques completamente chapados se apoiando uns nos outros para não cair no chão. Era o trenzinho dos chapados!
Quando eles passavam batia um cheiro de lança perfume vagabundo que nem a menos criteriosa das mulheres seria capaz de aceitar!
Era deprimente!
Eu tinha duas certezas absolutas: eles estavam se divertindo bastante e o máximo que poderia acontecer no final daquela noite em termos de sexo era uma sessão de “auto-ajuda” em casa! Mulher nem pensar!
Eu até que sentia vontade de estar um pouquinho com eles, mas com certeza a minha noite terminaria bem melhor do jeito que estava...
Mas a maior e mais infantil de minhas glórias carnavalescas aconteceu ao lado do Pavão!
Foi algo absolutamente imbecil, infantil, estúpido, grosseiro, boçal e pacóvio, mas naquele momento foi muito divertido. E hoje, relembrando tudo o que aconteceu, mais ainda!
Não existe status maior para um adolescente do sexo masculino do que se gabar do que fez, mesmo que não tenha feito.
E diferentemente de hoje em dia, voltar para casa com o sol no céu era algo que só os mais “fodas” conseguiam. E um dia nós dois fomos os “fodas”!
Voltamos para casa as 08h30min de uma quarta-feira de cinzas!
Não... Ao contrário do que você está pensando nós não dormimos com a putada, nem terminamos a noite deitados no meio fio babando verde de tanta bebedeira. Nós simplesmente ficamos até a essa hora no salão só pelo prazer de poder contar vantagem para os amigos!
Não comemos ninguém, não beijamos ninguém, nem enfiamos o pé na jaca! Apenas testamos nossos limites de paciência.
Fizemos um pacto (?) na noite anterior que consistia em só deixar o salão quando a banda desligasse a aparelhagem de som. E assim fizemos. E não fomos os únicos! Havia mais cretinos como nós que gostavam dessa brincadeira...
Lá pelas quatro da manhã estávamos dormindo em pé, mas pacto é pacto! Encostamos no palco e esperamos até o último segundo para deixar o salão. Dali só saía-mos para lavar o rosto no banheiro ou dançar um pouco para acordar. Eu disse dançar?
Nossas pernas nem se moviam mais sem se dobrarem. Aquilo já era uma questão de honra, um ato heróico de dois garotos com dezessete anos que precisavam de uma história para contar.
Suportamos tudo aquilo bravamente!
E fomos contemplados com um prêmio inesperado e sonhado por qualquer Athleticano como nós: um mergulho na piscina do Irapuã!
Até aí, nada demais, certo? Já explico onde estava a graça...
Na época o presidente do clube era um cara totalmente maluco, e no final daquela noite ele subiu ao palco e anunciou com a voz característica de quem bebeu uma garrafa de vodka: “A piscina ta liberada cambada!!!”.
Tal qual o estouro de uma boiada a galera subiu até o conjunto aquático e se esbaldou nas gélidas águas que a manhã proporcionava.
Lembro-me do Pavão com o seu par de tênis azul royal, modelo iate, da Rainha, na mão, pulando de cabeça na minha frente. Eu pulei de bunda com tênis e tudo! Tênis não, eu usava um modelo conhecido como “chineizinho” que durou exatamente as quatro noites de carnaval, pois voltei descalço para casa.
Aí é que entra a parte ridícula e cômica da história.
Antigamente o Irapuã era um clube considerado de classe alta. O Floresta um clube de classe média e o Athlético o clube do povão.
Nessa época isso já não valia mais porque as coisas já haviam mudado bastante, mas a fama continuava a mesma. Nós do “proletariado” mesmo tendo um clube infinitas vezes melhor, ainda víamos o Irapuã como quem vê a elite.
Quando demos por conta estávamos nadando em águas inimigas e como que por encanto nos veio a mente a chance de nos vingar dos “playboyzinhos”.
E o que que um pobre faria numa hora dessas? Claro... Mijaria na piscina!
E foi exatamente o que fizemos! E o fizemos rindo de escorrer lágrimas dos olhos!
Saímos completamente realizados de lá e nem demos moral para uma turma que insistia em batucar na porta do clube como que clamando por mais umas migalhas de folia! Para nós não precisava mais nada! O esforço já havia valido a pena!
Mesmo que o filtro limpasse, nossa marca havia ficado para sempre no tanque dos “tubarões”! Era a forra!
Eu juro que ainda não acredito que fiz isso... Mas o Pavão me lembrou o caso há alguns dias atrás e rimos compulsivamente de nossa própria ignorância.
Hoje meus carnavais se resumem a sair fantasiado de mulher na terça-feira de carnaval no já tradicional Banho da Doroti, mas confesso que o carnaval já não tem mais a mesma graça.
Já não temos mais a inocência de achar que se brinca carnaval com um lenço ensopado de lança na boca, já não temos sequer os bailes de salão, já não temos o chato do Índio para nos assustar, nem a Spaca Montagna para nos fazer rir, não nos excitamos em frente à TV já que aquilo que ela mostrava de madrugada agora é fato recorrente da novela das oito (que começa as 9), já não temos nem o Jamelão “interpretando” o samba da Mangueira, não temos “Bumbum de fora pra chuchu, nem “Explode coração na maior felicidade”...
Só nos resta a mesmice dos enredos manjados de conotação Afro-Oriental.
Não agüento mais cantar “ O apogeu e glória do Rei Nagô nas terras férteis de Tupi sob os olhares condescendentes da Coroa Imperial. O sol de um novo amanhecer no horizonte de Iemanjá”.
“Gabriela, cravo e canela... Seu corpo maravilha não era só dela...”
É Seu Raul... Tu fazes falta meu velho...
“O CRAQUE QUE NÃO FUI”
Oficialmente nem era uma trave de futebol. Eram dois mourões fincados no chão com um bambu na horizontal para sustentar uma das pontas dos varais, que mamãe usava para estender as roupas lavadas à mão.
Mas isso não importa... Para mim, sempre serão as traves do meu gol particular. E não eram quaisquer traves!
Na minha fértil imaginação infantil, aquelas eram traves mágicas, que só eu possuía e enxergava. Gostava de jogar sozinho no quintal. Acompanhado, só na rua com a turma.
Não era apenas a trave de um fundo de quintal na Rua Carlos Gomes, 402! Eram as traves do Morumbi! Do Maracanã também! Do Mineirão, do Pacaembu, da Vila Belmiro...
Onde quer que meu time imaginário jogasse as traves iam junto.
Meu sonho, como de todo garoto nascido em terras brazucas, era ser “jogador de futebol”!
E se na prática não o fui, pelo menos naquele pequeno espaço de tempo que um dia abrigou minha tenra infância, fui um dos melhores! Mas só eu sabia disso...
Aliás, eu e meus amigos imaginários e companheiros de equipe. Não por um acaso Waldir Peres, Getúlio, Oscar, Dario Pereira, Theodoro, Renato, Zé Sérgio e o mais legal de todos: Serginho Chulapa, com quem eu dividia o poderoso ataque do tricolor paulista!
Nosso time era invencível! Ganhamos o campeonato paulista inúmeras vezes (normalmente uma vez por semana). O campeonato nacional então... Perdi a conta do número de vezes. Mas não me lembro de nenhum título da Libertadores ou Mundial Interclubes. Naquele tempo, os times brasileiros não costumavam vencer esses torneios já que, no tapa, nunca fomos páreo para os argentinos.
Eu me concentrava naquilo que assistia e o que eu via não ultrapassava as fronteiras do território nacional. A não ser em época de Copa do Mundo.
Durante esse período de mais pura inocência acompanhei duas Copas: Alemanha 74 e Argentina 78. E é claro, ao contrário do escrete canarinho, fui campeão nas duas edições! E artilheiro, diga-se de passagem...
Aliás... Fui campeão das mesmas Copas pelo menos umas cinco vezes... Por ano!
Meu uniforme oficial só era usado em ocasiões muito especiais. Normalmente finais de campeonato. E consistia numa camisa branca com listas, número e distintivo pintados com canetinhas hidrocor.
Lembro que um dia o Guarani de Campinas se tornou campeão brasileiro, e após o término da competição recebi um convite “irrecusável” para defender as cores do alviverde. Como essa era uma ocasião especial fui obrigado a sacrificar mais uma camiseta branca, para desespero da Dona Célia. E tome canetinha hidrocor verde na danada!
Com o Guarani fui campeão de tudo quanto foi campeonato, inclusive sendo convocado pela “enésima” vez para defender a seleção brasileira nas mesmas Copas da Alemanha e da Argentina.
Mas o destino e a fértil imaginação me levaram de volta ao São Paulo onde encerrei minha vitoriosa carreira.
E minha coleção de troféus se resumia a um único exemplar! Ele era lindo! Enorme, quase do meu tamanho! Claro, tudo no campo da imaginação.
No mundo real a taça não passava de um vidro de perfume da Avon que eu emprestava de minha mãe sem seu consentimento. Normalmente nosso time erguia a taça dentro de seu quarto, para não correr o risco de derrubar o vidro no chão e ouvir um “monte” da Dona Encrenca...
Essa situação só terminou quando o perfume acabou e eu pedi o frasco para brincar. Acabou até mais rápido do que ela imaginava, pois para que isso acontecesse o mais depressa possível, eu costumava derramar o líquido num cantinho escondido do quintal, da vizinha, para que o cheiro não me delatasse.
Meu Morumbi imaginário era um quintal de terra cheio de irregularidades e obstáculos que atrapalhavam o desenvolvimento do meu melhor futebol.
Havia um limoeiro que era uma espécie de volante matador. Sempre parava as jogadas... Quando a bola batia nele, geralmente ficava enroscada em seus galhos cheios de espinhos. Meus braços viviam arranhados pelas tentativas de retirar a pelota de suas garras malditas...
Às vezes, sem querer, eu marcava golaços de placa tabelando com a árvore. Mas para isso a bola tinha necessariamente que bater bem forte em sua base.
Outra coisa que atrapalhava era o fato do terreno ser levemente em declive, já que morávamos numa ladeira. Cansei de receber passes açucarados de alguém que não existia! Devia ser o tal Sobrenatural de Almeida, que o Nelson Rodrigues tanto falava. Era só tocar a bola para cima que a mesma voltava para baixo, quicando num ou outro pedregulho.
Bem ao lado do gol havia um ranchinho feito com uma telha velha de metal. Nele, o Seu Ivo, meu pai, guardava uma porção de tranqueiras que vez ou outra eu derrubava com meus potentes petardos de direita. Quando a bola batia na telha com força o barulho chamava a atenção de minha mãe que lá da cozinha gritava: “Afonnnsooo, cuidado com essa bola!”.
Aposto que, escondida atrás do vitrô, ela deve ter acompanhado várias finais de Copa do Mundo sem ao menos saber o que se passava.
Esse mesmo rancho serviu de abrigo para dois animais de estimação que sofreram muito em minhas mãos, ou melhor, em meus pés!
Quica, uma preá que ganhei do Seu Manuel, pai do Lê, e o Cocó, um frango que ganhei numa barraca de pesca da festa junina de minha escola.
A Quica, sempre escondida em seu buraco, pouco se aventurava a sair de sua toca, mas quando o fazia passava correndo de medo da bola e gritando: “Qui, Qui, Qui!” A verdade é que poucas foram as vezes que a acertei, mas me lembro de um dia que a deixei atordoada!
Um dia ela apareceu morta no quintal do vizinho, sem arranhões nem sinal de violência. Foi um choque para um garoto de 8 anos que acabara de perder seu primeiro animal de estimação.
Se a Quica não sofreu muito comigo, o mesmo não posso dizer do Cocó...
Quando ele chegou, ainda um pintinho, o criávamos dentro de casa, numa caixa de papelão. Mas de tanto ser bem alimentado o franguinho cresceu e virou um baita frango! E como já não cabia mais na caixa, o jeito foi colocar o bicho no famoso ranchinho.
Como ele era um frango domesticado - se é que se pode dizer assim - com o tempo ele foi sendo criado solto no quintal, a mercê de meus chutes, nem sempre precisos de direita.
Incontáveis foram as vezes que via penas do Cocó voando para o alto montado em minha bola de futebol! Ao mesmo tempo em que era engraçado era de dar pena do pobre bichinho... Pena, no duplo sentido da palavra!
Um dia o Cocó também se foi... Ou melhor, “foram” com ele!
Como sempre aconteceu, vivíamos uma época de vacas magras lá em casa. Só que daquela vez a vaca estava anoréxica! E o pobre do Cocó, bem gordinho, virou almoço e jantar na casa dos Elleros.
Para não ferir os sentimentos meu e de minha duas irmãs, foi nos dito que o frango estava doente e precisava ser sacrificado para não passar doenças para a vizinhança... Cheguei a pensar que o pobrezinho sofria de males causados pelo meu futebol.
Mas o espetáculo tinha que continuar!
Em dias de chuva eu ficava enfurnado dentro de casa esperando uma oportunidade para descer ao quintal e bater uma bolinha. E se caísse uma chuvinha eu também encarava, até ouvir o berro da minha mãe...
Entre uma chuva e outra, quando pintava um solzinho maroto, o terreno era disputado a tapa entre eu e mamãe. Eu só queria ganhar mais alguns campeonatos imaginários e ela colocar um pouco de roupa para secar.
Depois de muita discussão chegávamos a um acordo que consistia em roupas penduradas nos primeiros varais e um espaço para eu chutar minha bola com muito cuidado no gol.
O problema é que logo atrás do gol ficava uma parede e quando eu me empolgava e chutava com um pouco mais de força, a bola batia nela e voltada sem direção.
Nem sempre eu conseguia interceptá-la e era obrigado a contar com a sorte. Até que um dia a sorte deixou de sorrir para mim...
Terreno molhado, bola suja de barro, o craque dribla a zaga inteira do Palmeiras e chuta para o gol! Tá lá! No fundo da rede!
Traduzindo: bola suja de barro bate com força na parede e volta direto para um lençol branco do varal, que estufado, acolhe com carinho o corpo desesperado do jogador que foge para a rua e só volta algumas horas depois com o fiofó na mão.
Quando voltei para casa minha mãe não estava e aproveitei para conferir o estrago mais uma vez. Como que por um milagre o lençol estava limpo de novo! Ao olhar para a escada vi minha mãe com aquela cara que quase toda mãe faz numa hora dessas: primeiro cara de séria e depois um sorriso acolhedor que significava perdão. Ela sabia que meu maior castigo fora as horas que passei fugido e com medo.
- “A culpa foi da parede, mãe...”.
Essa parede me dava a oportunidade de enfiar o pé na pelota sem um
pingo de dó! Como ela era bem alta o risco de mandar a bola longe era minimizado, porém não eliminado.
Quando isso acontecia era só pular o muro de dois vizinhos e cair na vila que ficava em paralelo com meu quintal.
Quem não nutria uma admiração muito forte pelo meu dom esportivo era o Peninha, morador da casa que fazia fundos com o meu pequeno estádio.
Por uma infeliz coincidência a parede em questão era justamente a do seu quarto e pior, a cabeceira de sua cama ficava recostada nela!
Até aí, tudo bem, não fosse por um pequeno detalhe: o pobre do Peninha era garçom e trabalhava até de madrugada. Portando, costumava dormir até mais tarde.
Só que meu turno de boleiro começava por volta das 8 horas da manhã!
Imaginem a cena do coitado tentando dormir e ouvindo no seu ouvido o “Bum!” interminável de minhas boladas...
Ele até pedia com educação para que eu desse um tempo para ele descansar, mas, meia hora para mim já era muito! Eu tinha que ir para a escola na parte da tarde e só tinha a manhã para jogar no quintal. O fim da tarde era ocupado por atividades coletivas no meio da rua.
Até que um dia, o Peninha chamou meu pai e eu para conhecermos sua casa e seu quarto. Foi então que percebi que minha perna direita era uma verdadeira arma! O reboco da parede estava todo caindo e vez ou outra atingia a cama do infeliz.
Censurado por meu pai fiquei mais de uma semana sem jogar bola de manhã, mas aos poucos fui convencendo-o de que iria chutar bem fraquinho. E ele foi me liberando. Claro que duas semanas depois o pobre Peninha já estava ouvindo o “Bum!” de novo.
Sorte dele que eu só usava bola dente de leite, que para quem não sabe são aquelas bolas de plástico um pouco mais espessas. Bola de capotão só tive uma e demorei para colocá-la para ralar na terra.
Como era um produto longe das possibilidades financeiras de meus pais, eu a tratava como se fosse um bicho de estimação. Vivia pedindo sebo no açougue e levando para casa para derretê-lo e passá-lo no couro da bola. Diziam que isso aumentava sua vida útil!
Mas como tudo nessa vida é passageiro, um dia tivemos que deixar a casa. E para trás deixei mais do que meus sonhos de ser um craque de verdade. Deixei minhas mais puras e ingênuas fantasias, que por anos a fio permearam minha infância.
Esses momentos foram deliciosos demais para se esquecer. Cada gol de placa, cada chute colocado, cada champela de dedo arrancada, tudo ficou guardado em minha memória.
Aquelas manhãs inesquecíveis em que eu conversava com Deus sem saber, me fizeram uma criança feliz, mesmo sem ter acesso a brinquedos caros, que nunca me fizeram falta.
Eu tinha meus amigos da rua que dinheiro nenhum compra! Tinha meus amigos de escola com quem cresci junto, durante quase uma década! Tinha minha companheira, a bola, que me acompanhava calada em meus sonhos mais íntimos! E tinha meus companheiros imaginários, que me faziam companhia quando os de verdade estavam na escola.
O quintal do número 402, da Rua Carlos Gomes, ainda deve guardar um pouco da energia que lá deixei cada vez que comemorava um gol dando um soco no ar, tal qual “o melhor de todos os tempos”. E do grito da torcida que eu imaginava imitar a perfeição.
Mesmo sabendo que o Fabian me espiava pelo buraco do muro de sua casa e depois contava para todo mundo que eu parecia um maluco jogando futebol solitário, nunca deixei de sonhar acordado. E nunca me esqueço dos passes de primeira que trocava com o Serginho Chulapa na entrada da grande área!
Era bom sonhar e acreditar que era tudo verdade...
Mas isso não importa... Para mim, sempre serão as traves do meu gol particular. E não eram quaisquer traves!
Na minha fértil imaginação infantil, aquelas eram traves mágicas, que só eu possuía e enxergava. Gostava de jogar sozinho no quintal. Acompanhado, só na rua com a turma.
Não era apenas a trave de um fundo de quintal na Rua Carlos Gomes, 402! Eram as traves do Morumbi! Do Maracanã também! Do Mineirão, do Pacaembu, da Vila Belmiro...
Onde quer que meu time imaginário jogasse as traves iam junto.
Meu sonho, como de todo garoto nascido em terras brazucas, era ser “jogador de futebol”!
E se na prática não o fui, pelo menos naquele pequeno espaço de tempo que um dia abrigou minha tenra infância, fui um dos melhores! Mas só eu sabia disso...
Aliás, eu e meus amigos imaginários e companheiros de equipe. Não por um acaso Waldir Peres, Getúlio, Oscar, Dario Pereira, Theodoro, Renato, Zé Sérgio e o mais legal de todos: Serginho Chulapa, com quem eu dividia o poderoso ataque do tricolor paulista!
Nosso time era invencível! Ganhamos o campeonato paulista inúmeras vezes (normalmente uma vez por semana). O campeonato nacional então... Perdi a conta do número de vezes. Mas não me lembro de nenhum título da Libertadores ou Mundial Interclubes. Naquele tempo, os times brasileiros não costumavam vencer esses torneios já que, no tapa, nunca fomos páreo para os argentinos.
Eu me concentrava naquilo que assistia e o que eu via não ultrapassava as fronteiras do território nacional. A não ser em época de Copa do Mundo.
Durante esse período de mais pura inocência acompanhei duas Copas: Alemanha 74 e Argentina 78. E é claro, ao contrário do escrete canarinho, fui campeão nas duas edições! E artilheiro, diga-se de passagem...
Aliás... Fui campeão das mesmas Copas pelo menos umas cinco vezes... Por ano!
Meu uniforme oficial só era usado em ocasiões muito especiais. Normalmente finais de campeonato. E consistia numa camisa branca com listas, número e distintivo pintados com canetinhas hidrocor.
Lembro que um dia o Guarani de Campinas se tornou campeão brasileiro, e após o término da competição recebi um convite “irrecusável” para defender as cores do alviverde. Como essa era uma ocasião especial fui obrigado a sacrificar mais uma camiseta branca, para desespero da Dona Célia. E tome canetinha hidrocor verde na danada!
Com o Guarani fui campeão de tudo quanto foi campeonato, inclusive sendo convocado pela “enésima” vez para defender a seleção brasileira nas mesmas Copas da Alemanha e da Argentina.
Mas o destino e a fértil imaginação me levaram de volta ao São Paulo onde encerrei minha vitoriosa carreira.
E minha coleção de troféus se resumia a um único exemplar! Ele era lindo! Enorme, quase do meu tamanho! Claro, tudo no campo da imaginação.
No mundo real a taça não passava de um vidro de perfume da Avon que eu emprestava de minha mãe sem seu consentimento. Normalmente nosso time erguia a taça dentro de seu quarto, para não correr o risco de derrubar o vidro no chão e ouvir um “monte” da Dona Encrenca...
Essa situação só terminou quando o perfume acabou e eu pedi o frasco para brincar. Acabou até mais rápido do que ela imaginava, pois para que isso acontecesse o mais depressa possível, eu costumava derramar o líquido num cantinho escondido do quintal, da vizinha, para que o cheiro não me delatasse.
Meu Morumbi imaginário era um quintal de terra cheio de irregularidades e obstáculos que atrapalhavam o desenvolvimento do meu melhor futebol.
Havia um limoeiro que era uma espécie de volante matador. Sempre parava as jogadas... Quando a bola batia nele, geralmente ficava enroscada em seus galhos cheios de espinhos. Meus braços viviam arranhados pelas tentativas de retirar a pelota de suas garras malditas...
Às vezes, sem querer, eu marcava golaços de placa tabelando com a árvore. Mas para isso a bola tinha necessariamente que bater bem forte em sua base.
Outra coisa que atrapalhava era o fato do terreno ser levemente em declive, já que morávamos numa ladeira. Cansei de receber passes açucarados de alguém que não existia! Devia ser o tal Sobrenatural de Almeida, que o Nelson Rodrigues tanto falava. Era só tocar a bola para cima que a mesma voltava para baixo, quicando num ou outro pedregulho.
Bem ao lado do gol havia um ranchinho feito com uma telha velha de metal. Nele, o Seu Ivo, meu pai, guardava uma porção de tranqueiras que vez ou outra eu derrubava com meus potentes petardos de direita. Quando a bola batia na telha com força o barulho chamava a atenção de minha mãe que lá da cozinha gritava: “Afonnnsooo, cuidado com essa bola!”.
Aposto que, escondida atrás do vitrô, ela deve ter acompanhado várias finais de Copa do Mundo sem ao menos saber o que se passava.
Esse mesmo rancho serviu de abrigo para dois animais de estimação que sofreram muito em minhas mãos, ou melhor, em meus pés!
Quica, uma preá que ganhei do Seu Manuel, pai do Lê, e o Cocó, um frango que ganhei numa barraca de pesca da festa junina de minha escola.
A Quica, sempre escondida em seu buraco, pouco se aventurava a sair de sua toca, mas quando o fazia passava correndo de medo da bola e gritando: “Qui, Qui, Qui!” A verdade é que poucas foram as vezes que a acertei, mas me lembro de um dia que a deixei atordoada!
Um dia ela apareceu morta no quintal do vizinho, sem arranhões nem sinal de violência. Foi um choque para um garoto de 8 anos que acabara de perder seu primeiro animal de estimação.
Se a Quica não sofreu muito comigo, o mesmo não posso dizer do Cocó...
Quando ele chegou, ainda um pintinho, o criávamos dentro de casa, numa caixa de papelão. Mas de tanto ser bem alimentado o franguinho cresceu e virou um baita frango! E como já não cabia mais na caixa, o jeito foi colocar o bicho no famoso ranchinho.
Como ele era um frango domesticado - se é que se pode dizer assim - com o tempo ele foi sendo criado solto no quintal, a mercê de meus chutes, nem sempre precisos de direita.
Incontáveis foram as vezes que via penas do Cocó voando para o alto montado em minha bola de futebol! Ao mesmo tempo em que era engraçado era de dar pena do pobre bichinho... Pena, no duplo sentido da palavra!
Um dia o Cocó também se foi... Ou melhor, “foram” com ele!
Como sempre aconteceu, vivíamos uma época de vacas magras lá em casa. Só que daquela vez a vaca estava anoréxica! E o pobre do Cocó, bem gordinho, virou almoço e jantar na casa dos Elleros.
Para não ferir os sentimentos meu e de minha duas irmãs, foi nos dito que o frango estava doente e precisava ser sacrificado para não passar doenças para a vizinhança... Cheguei a pensar que o pobrezinho sofria de males causados pelo meu futebol.
Mas o espetáculo tinha que continuar!
Em dias de chuva eu ficava enfurnado dentro de casa esperando uma oportunidade para descer ao quintal e bater uma bolinha. E se caísse uma chuvinha eu também encarava, até ouvir o berro da minha mãe...
Entre uma chuva e outra, quando pintava um solzinho maroto, o terreno era disputado a tapa entre eu e mamãe. Eu só queria ganhar mais alguns campeonatos imaginários e ela colocar um pouco de roupa para secar.
Depois de muita discussão chegávamos a um acordo que consistia em roupas penduradas nos primeiros varais e um espaço para eu chutar minha bola com muito cuidado no gol.
O problema é que logo atrás do gol ficava uma parede e quando eu me empolgava e chutava com um pouco mais de força, a bola batia nela e voltada sem direção.
Nem sempre eu conseguia interceptá-la e era obrigado a contar com a sorte. Até que um dia a sorte deixou de sorrir para mim...
Terreno molhado, bola suja de barro, o craque dribla a zaga inteira do Palmeiras e chuta para o gol! Tá lá! No fundo da rede!
Traduzindo: bola suja de barro bate com força na parede e volta direto para um lençol branco do varal, que estufado, acolhe com carinho o corpo desesperado do jogador que foge para a rua e só volta algumas horas depois com o fiofó na mão.
Quando voltei para casa minha mãe não estava e aproveitei para conferir o estrago mais uma vez. Como que por um milagre o lençol estava limpo de novo! Ao olhar para a escada vi minha mãe com aquela cara que quase toda mãe faz numa hora dessas: primeiro cara de séria e depois um sorriso acolhedor que significava perdão. Ela sabia que meu maior castigo fora as horas que passei fugido e com medo.
- “A culpa foi da parede, mãe...”.
Essa parede me dava a oportunidade de enfiar o pé na pelota sem um
pingo de dó! Como ela era bem alta o risco de mandar a bola longe era minimizado, porém não eliminado.
Quando isso acontecia era só pular o muro de dois vizinhos e cair na vila que ficava em paralelo com meu quintal.
Quem não nutria uma admiração muito forte pelo meu dom esportivo era o Peninha, morador da casa que fazia fundos com o meu pequeno estádio.
Por uma infeliz coincidência a parede em questão era justamente a do seu quarto e pior, a cabeceira de sua cama ficava recostada nela!
Até aí, tudo bem, não fosse por um pequeno detalhe: o pobre do Peninha era garçom e trabalhava até de madrugada. Portando, costumava dormir até mais tarde.
Só que meu turno de boleiro começava por volta das 8 horas da manhã!
Imaginem a cena do coitado tentando dormir e ouvindo no seu ouvido o “Bum!” interminável de minhas boladas...
Ele até pedia com educação para que eu desse um tempo para ele descansar, mas, meia hora para mim já era muito! Eu tinha que ir para a escola na parte da tarde e só tinha a manhã para jogar no quintal. O fim da tarde era ocupado por atividades coletivas no meio da rua.
Até que um dia, o Peninha chamou meu pai e eu para conhecermos sua casa e seu quarto. Foi então que percebi que minha perna direita era uma verdadeira arma! O reboco da parede estava todo caindo e vez ou outra atingia a cama do infeliz.
Censurado por meu pai fiquei mais de uma semana sem jogar bola de manhã, mas aos poucos fui convencendo-o de que iria chutar bem fraquinho. E ele foi me liberando. Claro que duas semanas depois o pobre Peninha já estava ouvindo o “Bum!” de novo.
Sorte dele que eu só usava bola dente de leite, que para quem não sabe são aquelas bolas de plástico um pouco mais espessas. Bola de capotão só tive uma e demorei para colocá-la para ralar na terra.
Como era um produto longe das possibilidades financeiras de meus pais, eu a tratava como se fosse um bicho de estimação. Vivia pedindo sebo no açougue e levando para casa para derretê-lo e passá-lo no couro da bola. Diziam que isso aumentava sua vida útil!
Mas como tudo nessa vida é passageiro, um dia tivemos que deixar a casa. E para trás deixei mais do que meus sonhos de ser um craque de verdade. Deixei minhas mais puras e ingênuas fantasias, que por anos a fio permearam minha infância.
Esses momentos foram deliciosos demais para se esquecer. Cada gol de placa, cada chute colocado, cada champela de dedo arrancada, tudo ficou guardado em minha memória.
Aquelas manhãs inesquecíveis em que eu conversava com Deus sem saber, me fizeram uma criança feliz, mesmo sem ter acesso a brinquedos caros, que nunca me fizeram falta.
Eu tinha meus amigos da rua que dinheiro nenhum compra! Tinha meus amigos de escola com quem cresci junto, durante quase uma década! Tinha minha companheira, a bola, que me acompanhava calada em meus sonhos mais íntimos! E tinha meus companheiros imaginários, que me faziam companhia quando os de verdade estavam na escola.
O quintal do número 402, da Rua Carlos Gomes, ainda deve guardar um pouco da energia que lá deixei cada vez que comemorava um gol dando um soco no ar, tal qual “o melhor de todos os tempos”. E do grito da torcida que eu imaginava imitar a perfeição.
Mesmo sabendo que o Fabian me espiava pelo buraco do muro de sua casa e depois contava para todo mundo que eu parecia um maluco jogando futebol solitário, nunca deixei de sonhar acordado. E nunca me esqueço dos passes de primeira que trocava com o Serginho Chulapa na entrada da grande área!
Era bom sonhar e acreditar que era tudo verdade...
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