sábado, 10 de maio de 2008

“EU QUERIA SER QUINEM O CHICÃO LOCO”

Às vezes eu queria ter a inconseqüência de um louco...
Não é por nada não, mas você já reparou que os loucos, visto de certo prisma, são muito mais felizes de que nós, “pseudo-normais”?
O Chicão é assim, louco.
Chicão Loco, como ficou conhecido, é aquele tipo de sujeito que não está nem aí pra nada! Tanto fez, tanto faz... Pra ele tudo está em ordem.
Hoje, durante a minha caminhada matinal, cruzei com o Rafa, que passava de carro, e ele, com apenas alguns graus a menos de loucura se comparado ao Chicão, me cumprimentou de uma forma tão familiar que me fez recordar o jeito do Chicão.
A loucura de que falo não se refere àquela que com o tempo nos obriga a internar o paciente em uma clínica psiquiátrica, mas sim daquela loucura sutil, aquele parafuso a menos que faz do indivíduo em questão um ser diferenciado.
O Chicão sempre foi assim, um cara diferente no seu jeito de ser, uma pessoa que de tão autêntica e expansiva convencionou-se chamá-lo de “louco”, ou loco como costumamos chamar esse tipo de gente aqui no interior.
Meu amigo nunca escondeu sentimentos. Se ele não te olhar na cara ou fizer cara de poucos amigos é porque alguma coisa o está desagradando, nesse caso, você.
Porém, se ele te quiser bem...
Com o Chicão não tem essa história de cumprimentar com um simples aceno à distância. Se você cair em seu campo visual a probabilidade de um espetáculo público é enorme, para não dizer garantida.
Com uma ternura quase paquidérmica ele grita teu nome a plenos pulmões, esteja ele onde estiver!
Não é incomum você se esconder em meio à multidão fazendo de conta que a história não é com você. Mas o Chicão tem o faro do tigre... Ele te encontra.
E tome conversa fiada!
Não adianta querer discutir literatura ou sistema político com ele, é inútil. Ele vai querer é saber como anda a sua vida para depois contar a quantas anda a dele. Quando muito, você pode até vir a conversar sobre futebol, mas à medida que a conversa for fluindo o assunto vai voltar ao seu tema de origem: “E aí? Como é que tão as coisa?” – costuma perguntar.
Por uma obra divina, ele não é daqueles “locos” que te seguram pelo braço pra não te deixar ir embora. Ao menor sinal de que você está com pressa ele compreende e já te dá um abraço de despedida sem esconder a felicidade de te reencontrar.
Desde os tempos de primário ele já demonstrava traços de quem não “bate muito bem das idéia”. Entretanto, faz-se necessário dizer que, mesmo sendo por vezes inconveniente, ele jamais perdeu o jeito inocentemente terno de tratar os amigos. É uma ternura paquidérmica, eu repito, mas não deixa de ser ternura.
O Chicão não passa despercebido em lugar nenhum. Se ele está feliz você ouve a sua voz a quilômetros de distância. Se ele estiver quieto é porque está triste, bravo ou preocupado. Muitas vezes preocupado com um amigo qualquer que, prevendo erroneamente o pior, acaba dispensando a sua ajuda.
E não adianta você pedir a ele para se conter porque “ o povo ta olhando”. Fatalmente ele vai te responder com um sorriso quase infantil nos lábios: - “Si fôda! Cê liga?”.
“Si fôda” é uma expressão tipicamente chicônica. Já está associada ao Chicão desde que ele aprendeu a usar a linguagem falada. Pra ele não tem tempo ruim. Se pintar uma dúvida sobre fazer ou não, a resposta dele vai ser sempre a mesma: “Si fôda!”.
Uma noite, lá pela década de 80, ele e uns amigos estavam entediados com a vida e chegaram a conclusão que o que lhes faltava para deixar a noite um pouco mais animada era um carro. Mas ninguém tinha carro, ou melhor, a mãe do Chicão tinha um carro...
Não deu outra! O Chicão arquitetou um plano maquiavélico para seqüestrar o carro da própria mãe para “dar umas bandas por aí”. E como ele não sabia dirigir, fez questão que o Baixinho o fizesse. Enquanto ele vigiava o sono da mãe, o resto da gang tirava o carro da garagem sem fazer barulho, ou seja, empurrando o veículo até o lado de fora.
E quem pensa que ele pediu para maneirar no volante está redondamente enganado! Ele queria era ação! “Enfia o pé!”; “Dá uma derrapada!”; “Vai na contra mão mesmo!”; “Si fôda!” eram apenas algumas de suas expressões.
Em tempo: o Fusca voltou intacto.
Como todo Loco, Chicão não sabia deixar de expressar seus sentimentos da forma mais paradoxal possível: sutilmente brutal!
Se ele ficava feliz em te ver, você ganhava um abraço de urso; se ele não gostava de alguém já ia logo dizendo como esse era chato; sentindo-se excluído exigia, aos berros, a atenção; se alguém lhe importunava fatalmente levava um sopapo e se por algum motivo ele cismasse com alguma coisa não havia Cristo que o demovesse da idéia.
Por exemplo: um dia, nas piscinas do clube, uma turma resolveu brincar de passe, que nada mais é do que um “pega-pega” anfíbio, e sabe-se lá o porquê ele se sentiu isolado na brincadeira.
Como represália ele aprontou uma que virou lenda!
De repente, fomos informados que não poderíamos deixar o local enquanto o autor da “obra” não fosse descoberto. Mas que obra?
Pois bem... “Alguém” havia usado a piscina média como sanitário e esquecido de dar a descarga!
Era uma visão grotesca ver aquele enorme submarino marrom flutuando nas águas límpidas da piscina onde crianças da mais tenra idade costumavam se banhar. Todo mundo sabia quem era o terrorista que havia feito aquilo, mas, como provar?
Claro que a essa altura dos acontecimentos nosso algoz já estava quase chegando a sua casa, e provavelmente rindo muito.
No outro dia, assim que ele colocou os pés no clube, nós o interceptamos. Se ele não assumisse a autoria do atentado todos nós seríamos suspensos. Sua reação não nos surpreendeu.
- “E o que eu tenho a ver com isso? Eu não tava mais aqui quando aconteceu!”.
- “Mas, Chicão... Todo mundo sabe que foi você!”.
- “E como é que sabem? Fizeram um exame na bosta pra saber se ela é minha?!”.
- “Nem tem como, né Chicão!”.
- “Então... Si fôda! Cê liga?”.
No final da história ninguém foi punido e o Chicão nunca mais foi preterido das brincadeiras na piscina...
Talvez seja esse jeito descompromissado com as convenções que me causa certa inveja dele. Não ter que dar satisfação a quem quer que seja deve ser muito bom!
Como nada que ele faz de estranho é levado em conta, não existe motivo para que se questione se tal ato estava certo ou errado. Afinal, ele é loco!
Seu jeito desmedido de me cumprimentar já não me incomoda mais há muito tempo. Mesmo não tendo contato diário com ele é sempre bom saber que o tenho como amigo. E é sempre uma festa o nosso reencontro! Com abraço de urso, gritaria, tapa nas costas...
Esse é o Chicão Loco... Um cara tão desencanado que até virou sinônimo de loucura. Ele não taca pedra em avião, nem rasga nota de cem, mas é louco. Suficientemente louco para nos olhar de cima e sentir um pouco de pena de nós, os “normais”.
Nem sei mais porque escrevi sobre ele...
Vai ver é porque hoje à noite tenho um compromisso desses bem chatos, que a gente não gosta, mas tem que cumprir para não parecermos anti-sociais.
Eu queria mesmo era ficar em casa, navegando na internet...
Quer saber?
“Si fôda...”

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