sábado, 10 de maio de 2008

“ONE NIGHT IN RIO”

Eu tinha apenas 23 anos de idade e nunca havia passado uma noite tão eletrizante quanto aquela. Sempre ouvi histórias dos meus amigos universitários contando as encrencas em que eles se metiam nas noites em que visitavam os puteiros.
Oficialmente eu não estava no Rio para visitar um puteiro. Estava lá para curtir o bom e velho rock´n roll que rolava no Maracanã por ocasião do Rock in Rio 2, mas como não dava para assistir a todos os shows, entre um dia e outro precisávamos arrumar algo de bom para se fazer.
A Guerra do Golfo começara praticamente junto com os primeiros acordes do festival e aquela altura já não era divertido assistir a guerra ao vivo na tv.
Meu companheiro de viagem era o Vintão, a lenda!
Estávamos os dois curtindo nossas férias na cidade maravilhosa embalados pelo rock do Gun´s and Roses, sem nos preocupar em saber que dia da semana era. Quem tinha essa preocupação era o Pavão, que teve arrumar um fim de semana para poder se juntar a nós. E como ele só poderia sair de Amparo, na Sexta-feira à tarde, seu horário de chegada seria o pior possível: 5 da manhã!
E como ele não fazia a menor idéia de como chegar ao apartamento do meu tio Celinho, eu e “a Lenda” nos comprometemos a esperá-lo na porta do edifício.
E o que fazer para se manter acordado até de madrugada? Se fossemos dois coroas provavelmente dormiríamos e colocaríamos o rádio relógio para despertar dez minutos antes. Acordaríamos de mau humor e ainda correríamos o risco de perder a hora.
Como éramos dois jovens gozando do final da adolescência preferimos cair na noite e só voltar para casa quando estivesse perto das 5 da matina!
Aí começa a história de verdade...
Naquela noite estava rolando a abertura do festival e a única coisa que nos agradava ali era o show do Joe Cocker. Mas para assistir a essa lenda viva do rock teríamos que aturar o chato do Prince! Então pedimos umas dicas para meu tio que nos aconselhou esquecer um pouco as raízes anglas saxônias do rock para mergulharmos nas raízes afro brasileiras do samba.
Era janeiro, véspera de carnaval, e as quadras das escolas de samba já estavam fervendo. Optamos por conhecer a quadra da Estácio de Sá.
Como nossas raízes “ítalo brasileiras” sempre falam mais forte fomos vestidos como dois sambistas devem ser: calça jeans, tênis e camisa preta, só faltaram as guitarras!
Quando pegamos o busão já eram bem mais do que 21 horas e resolvemos dar uma parada em Ipanema para aquele choppinho que é de lei! Tempo era o que não nos faltava.
Nessa época havia um chopperia que era considerada o point do lugar, e como dois caipiras metidos à besta que éramos, não pensamos duas vezes: “É pra lá que vamos!”
Claro que quando chegamos a fila para entrar era maior que o número de pessoas dentro da casa, e tivemos que esperar. Mas não esperamos muito. Nem eu, nem ele estávamos dispostos a passar duas horas em pé numa fila com tanto bar periférico dando sopa.
Escolhemos a dedo um que se aproximasse daquilo que estávamos acostumados a freqüentar em terras caipirenses. Alguma coisa assim, mais exclusiva, mais discreta.
Encontramos um de onde tínhamos uma visão panorâmica de tudo o que estava rolando na chopperia da moda. Como dizia o Vintão:
- “Daqui vai dá até pra azará umas gatinha...” – favor pronunciar o “r” do azará de forma bem arrastada, como manda o sotaque caipira. E o gatinha sem o “s” no final.

Porém só nós azarávamos as “gatinha”. As “gatinha” nos olhavam com um ar meio “blasé”. Havia algo de errado... E só descobriríamos o que na manhã seguinte.
Sentamos confortavelmente em uma mesa perto da porta, bem a vista de todos que passavam.
O lugar era até aconchegante, mas não havia muitos clientes, tampouco as “gatinha” que o Vintão tanto queria “azará”.
Curtimos nosso choppinho com uma porção de manjubinha e ainda bridamos a nossa amizade e às férias que estavam só começando. Mas “gatinha que é bom... nada.
No dia seguinte, quando contamos essa história para meu tio, ele reagiu como um bom italiano inconformado. Com aquele inconfundível tapa em sua própria testa, que só os italianos de sangue sabem dar ele vociferou:
- “ Puta que o pariu, boy!!! Vocês foram num barzinho GLS!!! (“boy “era
como meu tio me chamava)

Estava explicado o porquê dos olhares desconfiados das “gatinha”! E porque que naquele bar pouco se viam casais e sim pares! Ou casais, sei lá...
Nosso filme não estava queimado, estava torrado! Passamos os outros dez dias sem pisar em Ipanema! Pelo menos não parávamos por lá durante as caminhadas no calçadão...
Mas a noite é uma criança... – alguém já disse isso.
Não contentes em queimar nosso filme em Ipanema, queimamos também em Copacabana!
Durante nosso “affair” involuntário em Ipanema, o Vitão propôs que ao invés de samba, terminássemos a noite numa danceteria que ele conheceu numa outra ocasião em que esteve no Rio.
Topei de primeira! Era mais a minha cara.
A danceteria supra citada foi muito badalada num passado, então, não tão distante. Naquele exato período de tempo ela já estava bem decadente, mas nem ele, muito menos eu, tínhamos idéia disso.
Para mim tudo era novidade, tudo festa! Entramos esbanjando alegria, mas ela não duraria muito tempo.
Nossa primeira decepção foi descobrir que ali havia a maior concentração de argentinos por metro quadrado, fora da Argentina. Era gringo no bar, na pista, dançando e cantando em cima do palco... Sentimo-nos dois estrangeiros em plena terra tupiniquim!
O preço que pagamos de uma lata de cerveja dava para comprar um litro de vodka! De qualidade duvidosa, mas que dava, isso dava...
Paramos na beira da pista para ver “qual era” e foi aí que a coisa começou a ficar feia.
O Vintão era um solteiro totalmente galinha e descomprometido e eu, já noivo, procurava manter-me fiel a minha amada, o que não significava ficar trancado em casa.
O som era extremamente alto, só perdia para os argentinos bêbados que insistiam em cantar em uníssono, alguma coisa que parecia ser um grito de guerra do Boca Juniors! O local era realmente apropriado para isso...
Ensaiamos timidamente algo que se pode chamar de qualquer coisa, menos um passo de dança. Acostumado às baladas, Vintão já caiu na pista acompanhado de uma “mocinha” que elegantemente trajava um blaser azul sanatório com camisa branca por baixo. Eu, acostumado a ouvir Iron Maiden e Sepultura me sentia literalmente em outro planeta.
Às vezes o Vintão parava para conversar comigo e numa dessas ele propôs que começássemos a tirar onda com ela. Ele sugeriu que déssemos uma de estrangeiro, e quando me questionou de que país seríamos a primeira coisa que me veio a mente foi Luxemburgo! Mas falei achando que ele fosse levar na brincadeira, coisa que ele não fez.
Fiquei ali, como quem não quer nada, chacoalhando o corpo no ritmo da batida que saía dos alto falantes.
Quando me dei conta o Vintão já estava agarrando a baixinha por trás. Seu beiço caipira chupava o pescoço da infeliz enquanto suas mãos estavam dentro dos bolsos da calça dela.
Pude ouvir o safado exercitando seu “embromês” e quase me contorci de vontade de rir.
- “Você muito bonita!” – disse ele num português com sotaque de gringo
- “No... You que é lindo!” – respondeu a pobre donzela.

Foi então que notei algo que me deixou intrigado. A garota tinha um broche
pendurado na camisa com o número 113 escrito em números bem grandes.
Achei aquilo estranho e passei a reparar que ela não era a única do lugar com um enfeite tão peculiar.
Chamei o Vintão num canto e mostrei a ele minha nova descoberta. Ambos chegamos a mesma conclusão: a danceteria tinha se transformado num puteiro!
Enquanto conversávamos a “acompanhante” de meu amiguinho foi buscar uma companhia para mim. Só que àquela altura do campeonato eu e o Vitão já estávamos bolando um plano para sumir dali.
Imagina se ela descobre que nós dois não tínhamos nada de gringos e sim dois caipiras que estavam mais “duros que pau de noivo”? O cafetão ia desovar nossa carcaça lá em Jacarepaguá!
Vintão me pediu mais uns minutos só para tirar mais uma casquinha e depois dar um fora na “perversa”, como ele chamava as biscates.
Nesse meio tempo o jogo começou a se voltar contra mim...
A “113” me apresentou sua “amiga” duzentos e alguma coisa, não me lembro quanto, que imediatamente me puxou para dançar. Eu devia me sentir bem, não fosse pelas minhas pernas que começaram a tremer.
Se o Vintão que era gerente de banco estava duro, imagina eu?! Com certeza eu ia apanhar dobrado!
Tive a infeliz idéia de me negar a dançar, mas ela insistiu. Disse em inglês que não gostava daquela música e ainda assim ela puxava meu braço com um sorriso “biscatal” que me dava vontade de rir.
Acuado, lancei mão do meu plano “C”. Aqueles que a gente só usa em caso de desespero: em um português quase constrangedor lhe pedi desculpas e sorri como quem diz “sou gay”.
Maldita foi à hora que tomei essa atitude!
A duzentos e alguma coisa entendeu o recado e saiu de fininho. Quando já estava me sentindo aliviado a desgraçada me aparece de novo. Dessa vez acompanhada de um rapaz que não me sai da memória até hoje!
Era um sujeito franzino, mais ou menos da minha altura (1,78 metro), usando uma bândana com o símbolo pirata, e um cavanhaque bem ao estilo amante latino. Ele me olhou como quem diz “me come” e deu aquela piscadela básica.
Fiquei estático, pensando se chorava ou dava um soco naquele infeliz!
Quando meu “amante latino” me estendeu a mão me virei para o Vitão e em bom português gritei:
- “Não sei quanto a você, mas eu tô indo embora dessa merda!” – e saí em direção à primeira porta que vi.

Sem entender muito bem o que acontecia, meu amigo me segurou pelo braço e pediu mais um minuto que evidentemente neguei. Ele se voltou a “113” e disse que ia ao banheiro.
Claro que ela sabia que nós estávamos indo embora, e num tom entre o histérico e o agressivo vociferava “no, no, no!”, sem soltar meu amigo.
Assim que ele conseguiu se soltar das garras da “perversa” tomamos o rumo de uma escada que dava para a saída. E foi dessa escada que vislumbrei a cena mais aterrorizante de minha vida.
Após um breve papo com a “113”, um gorila de dois metros de altura se dirigia em nossa direção a passos dinossáuricos. Pelo olhar do garoto ele devia estar “cheio de amor pra dar”, mas eu não tive vontade de parar para conferir.
Saímos da danceteria como um míssil Scud, na época o armamento da moda.
Miramos a direção do Forte de Copacabana e corremos quase sem olhar para trás. E devemos ter corrido muito mesmo, pois na única vez que tive coragem de olhar para trás vi nosso algoz bem longe! Mas ainda correndo em nossa direção.
Foi então que Deus colocou um ônibus com destino ao Leblon em nosso caminho. Subimos no carro sem que ele parasse e ainda deu tempo de ver um grandalhão de terno parando de correr. Senti que minha mãe estava sendo lembrada naquele exato instante...
Desci do ônibus e ainda dei uma olhada desconfiada ao meu redor para me certificar de que realmente estava tudo bem.
Olhei para a cara do Vintão que, branco de medo, me deu um sorriso. Começamos a rir descontroladamente no meio da rua e só paramos quando chegamos no saguão do edifício. Subimos tomar uma água e limpar as calças borradas e descemos de novo para esperar por longas duas horas a chegada do Pavão.
Cochilamos no saguão e de dez em dez minutos, um de nós disparava uma risada incontida. Acho que era uma espécie de catarse, pois fazia bem e acalmava.
Quando o terceiro caipira chegou, uma das primeiras coisas que eles nos perguntou foi a respeito da noitada:
- “E aí? Como foi? Pegaram alguma coisa?”

Rimos tudo de novo e prometemos que na manhã seguinte contaríamos
tudo com riqueza de detalhes.
E isso aconteceu ao lado do meu Tio Célinho, que decepcionado com o sobrinho, jurou negar qualquer outro pedido de estada vindo desse pobre mortal.
Hoje é tudo muito cômico, mas se houve um dia em que vi “a viola em caco”, “a porca torcer o rabo”, “ o bicho pegando”, foi na noite em que o Vintão me apresentou à saudosa “113”...

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