Eu sei... Éramos todos uns pequenos vagabundos que passavam as tardes procurando o que fazer, e quando encontrávamos era sempre algo relacionado à diversão.
Estava quente demais para jogar futebol na quadra do Liceu, já estávamos de saco cheio de jogar vídeo game Atari na casa do Baixinho e como ninguém tinha namorada estávamos literalmente coçando o saco em grupo.
O vídeo cassete ainda era um artigo de luxo, pouca gente tinha um. Como sempre o pai do Baixinho tinha.
A bem da verdade servia mais para gravar filmes da TV do que para reproduzir fitas alugadas, pois, como todo fim de mundo que se preze, nossa cidade só tinha uma única locadora. Locadora não, uma loja de eletrônicos que por um acaso tinha lá umas 20 fitas VHS para locar.
Dentre essas fitas havia uma muito especial. E o Baixinho demorou um tempo para descobrir. Aliás, descobrimos todos juntos: eu, ele, o Pavão e o Netinho.
Fomos lá só para ver se havia algum filme novo e o Kleber, filho do dono e nosso chegado, deu o toque que aquela última fita da estante era de sacanagem.
Como nenhum de nós sabia o que era um filme de sacanagem de verdade, nem nos empolgamos demais.
Estávamos acostumados a ficar até de madrugada colados na tela da televisão esperando, algumas vezes em vão, para ver, quando muito, um peitinho ou uma bunda no programa “Sala Especial” exibido pela TV Record as sextas à noite. As chamadas nos informavam que o filme exibido começaria às 23 horas, mas invariavelmente isso só acontecia lá pela uma da madrugada.
Nesse programa eram exibidos todo o lixo do cinema nacional. Filmes de quinta categoria que só serviam para atiçar nosso tesão adolescente e mais nada. Culturalmente foi tão significante quanto às propagandas comerciais da época.
Com um pouco de sorte podia-se dormir sonhando com meio seio da Wilsa Carla ou um terço de bunda da Matilde Mastrangi.
Quando aparecia uma nudez completa era motivo para debates efusivos na segunda feira durante a aula. Mas isso só acontecia raramente.
Com o consentimento do Baixinho – aí dele se não consentisse – alugamos a fita.
E subimos tão ansiosos a casa dele que nem nos importamos com o sol que Deus mandava. Chegamos ao topo do morro pingando suor, mas ávidos por ver um filminho “do bão”.
O nome na película era: “Desirreé Cousteau”
Desirré era uma mexicana que protagonizava todas as cenas do filme. Os parceiros e parceiras se alternavam, mas ela estava em todas!
Mal acostumados, imaginamos que iria ser uma sessão um pouco mais apimentada que os filmes da “Sala Especial”, mas estávamos enganados...
A película começa com nossa estrela indo fazer uma entrevista com um importante político. Bem a propósito da profissão o larápio a recebeu à beira de sua piscina, de sunga.
Para encurtar a história ele “jantou” Desirré ali mesmo. E para nossa surpresa e deslumbramento as cenas foram exibidas sem cortes! O mais puro sexo explícito! Para quem tinha por referência os filmes da “Sala Especial...”.
Foi automático: assim que a primeira cena de sexo rolou cada um de nós puxou uma almofada para seu próprio colo para esconder nossas pequenas protuberâncias.
A audiência não piscava, não respirava, não falava e nem olhava para os lados!
Assim que a primeira cena terminou o Baixinho decretou: - “O uso do sanitário está terminantemente proibido”!
Ele temia que qualquer um de nós se levantasse no meio da exibição para “externar em seu sanitário tudo aquilo que sentíamos naquele momento mágico”.
E não foi fácil suprimir nossos mais profundos sentimentos!
Desirreé ainda protagonizou cenas em que era vendedora de cosméticos, secretária executiva e tudo mais. E a cada cena nossos testículos doíam mais. Para quem não os têm é bom saber que quanto mais o homem reprime seus desejos mais os testículos doem. Portanto tenham pena de nós!
O filme acabou e a única coisa que nos passava pela cabeça era ir o mais rápido possível para nossas respectivas casas e nossos respectivos banheiros.
Porém o saco do Netinho estava doendo mais do que qualquer outro! E ele implorou para o Baixinho deixá-lo usar o banheiro. Esse, por sua vez, fez o que pode para persuadi-lo a mudar de idéia. Mas a lamentação do rapaz comovia até a mim e ao Pavão que passamos a pedir por nosso amigo.
Segundo o Netinho, sua bexiga estava estourando. Nosso anfitrião aconselhou-o a fazer na rua mesmo, mas de tanto insistir o Baixinho cedeu. Mas ficou ao lado da porta fazendo pressão psicológica para impedir que “algo” acontecesse.
Em questão de minuto ouviu-se o barulho da descarga e a porta se abriu. Nem bem o Netinho saiu do aposento seu algoz já o havia invadido. E fez uma análise minuciosa das bordas do vaso para encontrar alguma prova “branca e gosmenta” do crime.
Aliviado, o Baixinho nos encaminhou até a porta e provavelmente deve ter voltado para assistir, sozinho, àquele épico da sétima arte.
Quando saímos do “Centro Cultural” olhamos seriamente para a face do Netinho que sorriu entregando o jogo. Não foi preciso sequer questioná-lo a respeito do que ele havia feito no banheiro. Descemos a ladeira às gargalhadas.
Nosso amigo aliviado nem tinha mais tanta pressa. Eu e o Pavão sim.
Eu morava próximo à casa do baixinho e desci tirando sarro do Pavão. Mas para a minha decepção não havia ninguém em casa e como não costumava andar com chaves no bolso tive que subir até a loja de meu pai para apanhá-las.
Foi a vez do Pavão e o Netinho me zoarem. E como zoaram.
No caminho aconteceu algo que nos fez acelerar ainda mais o passo.
Bem na porta de uma galeria havia uma garota de pele morena, queimada de sol com o braço esquerdo apoiado no pilar do portão. Não seria nada de mais se ela não estivesse usando uma camisa larga e “sem sutiã”!
Àquela altura dos acontecimentos nós já estávamos babando verde e tudo o que não precisávamos era de mais um estímulo - e que estimulo - como aquele.
Apenas nos entreolhamos. Nem precisou comentários.
Cada qual em seu banheiro homenageou Desirreé a sua maneira. Homenagens essas muito semelhantes, aliás.
Uma semana depois voltamos à locadora para alugar a fita mais uma vez. Ato esse que se repetiu quatro vezes no total, até que uma nova locadora fosse aberta e novos títulos fossem disponibilizados.
O “Centro Cultural do Baixinho” virou nosso ponto de encontro semanal. Primeiro assistíamos a uma comédia para despistar a mãe dele, depois um pornozinho básico.
O pai do Baixinho sempre gostou de fazer cópias dos vídeos que alugava. Não para re-locar, mas para montar sua própria videoteca. Em cada fita ela gravava três ou quatro filmes dependendo do tamanho.
E como todo homem ele também gostava do gênero que nós mais amávamos.
As fitas ficavam escondidas em locais estratégicos e quando nossos pais também compraram um vídeo cassete era comum dar um passeio no “Centro Cultural” para emprestar uma meia dúzia de fitas. Quase sempre pornográficas. Multiplique seis fitas por três filmes em cada uma!
Cansei de assistir fitas de sacanagem, mas nenhuma é tão viva em minha memória como as aventuras de Desirreé Cousteau.
Meu braço dói até hoje...
sábado, 10 de maio de 2008
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