Dias atrás, meu grande amigo Sérgio Nardini se casou. Provavelmente tenha sido um dos últimos, senão o último, de meu círculo de amigos/irmãos a contrair matrimônio “tudo nos conformes”, como diria minha avó Tiana.
Foi um casamento com direito a tudo: véu, grinalda, daminha, marcha nupcial e uma recepção para padrinhos, parentes e “afins”. Só faltou o arroz na porta da igreja, o que se justifica por vivermos dias “politicamente corretos” e ser esta uma prática um tanto quanto desapropriada com tanta fome no mundo.
Em desacordo com o que penso a respeito desse rito de passagem, tenho que “dar meu braço a torcer” já que a cerimônia me emocionou bastante, levando-me, confesso, às lágrimas em determinados momentos. Os motivos não vêm ao caso agora, mas para não dizer que estou querendo criar mistério, posso expôr que minha filha foi uma das daminhas e, claro, acho que ela estava a coisa mais linda do mundo.
Tudo estava perfeito! Ou não estava?
Há muito não entrava numa igreja para assistir uma cerimônia de casamento! Meus amigos se casaram há tanto tempo que hoje, a maioria, já está divorciada.
Mesmo quando toda a minha geração chegou às vias de fato no que tange a união conjugal estável, já havia notado que as coisas não eram mais as mesmas.
Cerimônia de casamento deixou de ser “cerimônia de casamento” para se transformar em um espetáculo teatral cheio de formalidades nas quais amigos agem de maneira como se todos ali fossem estranhos, pelo simples fato de estarem em público e serem o centro provisório das atenções. Nada ali é autêntico! Qualquer deslize que seja, um espirro, por exemplo, é motivo para estragar a filmagem. Tudo é milimetricamente calculado e, pasmem, até ensaio o casamento já tem!
O comportamento protocolar só é quebrado pelos olhares cúmplices de quem está na berlinda, pronto para virar “Videocassetada do Faustão”.
Mas quem sou eu para questionar o rito se eu mesmo participei de um: o meu. A diferença é que, apesar de me render ao protocolo para não expôr minha esposa ao ridículo, procurei agir como se estivesse em minha casa. Só não arrotei alto porque igreja dá eco. E o fato de agir dessa forma foi motivo para algum “falatório” depois. Semanas mais tarde fiquei sabendo que duas velhotas comentavam ainda na igreja que minha esposa chorava por desgosto de ver um marido tão relaxado que nem terno usou! Como se terno legitimasse ainda mais a união...
Tá certo que, apesar de não levar aquela coisa a sério, chorei de emoção e não dei esculacho em momento algum, mas tenho que fazer uma confissão: sem que ninguém soubesse eu tirei minha “casquinha”.
Se você procurar pelo livro de registros da igreja na data de 10 de dezembro de 1994 e se atentar apenas às assinaturas, verá que Hellen Alves de Lima se casou as 18:00 horas com o Sr. Ozzy Osbourne.
E já que a hora de confessar, peço desculpas aos amigos os quais apadrinhei, pois se vocês fizerem o mesmo tipo de pesquisa verão que dentre seus padrinhos encontrarão personalidades como Bruce Dickinson, Marylin Manson, Jimmy Hendrix...
Mas se cerimônia nunca teve graça nenhuma, o pior mesmo são as festas de hoje em dia! Estas sim perderam o encanto!
Hoje as festas, quando há festa, são tão boas, tão elaboradas, tão cheias de coisas que sinto falta da simplicidade das antigas festas de fundo de quintal...
Festa hoje tem DJ, luz e som profissionais, garçons, buffet chiquérrimo com comidas de restaurante e whisky importado.
Mas “pêra aí!” Ta faltando alguma coisa! Pára tudo!
Onde estão as batatinhas de casamento?!
Sim, aqueles tubérculos em miniatura cozidas com casca e tudo que passam as 24 horas que antecedem a comilança mergulhada no vinagre, cebola picada, salsa e sal!
Casamento sem batatinha não devia ser abalizado!
E mais!!!
Onde foram parar os lanchinhos de pão amanhecido com carne moída de segunda?
Os picles no palitinho de dente?
As “tia gorda” que serviam espuma de chope em jarras de plástico em formato de abacaxi?
A barquinha de maionese?
A coxinha, o risóles, a empada?
O canudinho de coco ralado com açúcar derretido?
A Tubaína sem gelo no copo de plástico?
O bolo de um andar só que tinha uns 10 metros quadrados?
Cadê tudo isso?
Pelo amor de Deus, cadê as batatinhas??????
Hoje em dia é tudo muito chic, tudo self service, tudo com certificado de procedência. Ninguém mais tem caganeira depois da festa... Assim não dá...
É um pãozinho de ovos daqui, um bisqui de gergelim dali, patê de berinjela com passas, pudim salgado, salada de palmito, batata sem casca cortada ao meio e flambada na manteiga (que pecado!), maionese com maçã e abacaxi, arroz com passas e ervilhas, fricasset de frango (isso mesmo, fricasset!), ravióli aos quatro queijos... Tenha santa paciência...
Até medalhão de filé Mignone ao molho de cogumelos eu já comi! Pode?
Isso é uma falta de respeito!
Pra começar, não é mais “festa de casamento”... É recepção para os convidados...
Não existe mais a figura do “porteiro”, agora é Hostess..
Na entrada você tem que conferir se seu nome está na lista, não tem mais aquela de “chegar chegando”, dizendo “oi” pra todo mundo... O efeito mais cruel que isso causa é a extinção prematura da lendária figura do “Bicão”. Mas fala a verdade, festa sem “Bicão” é festa?
Tive um amigo, já falecido, que morava perto da casa de minha avó, que por sua vez morava de frente a uma igreja que costumava locar seu salão para festas de casamento. Esse cara, o “Dú Bóbrinha”, ia a todos os casamentos que haviam por lá! Chegava ao sábado, lá pelas tantas ele parava de jogar bola porque tinha que tomar banho pra ir à festa. E o cara-de-pau ia sozinho, rangava e depois voltava pra contar como havia sido... Enfim, um “Bicão” profissional! Isso aos 12 anos de idade!
Mas voltando às batatinhas...
Esses casamentos modernos, ou casório sem batatinha, estão cada vez mais sem graça. Não tem diversão autêntica, não tem mais aquele “tchan” que as festas de outrora possuíam.
Ninguém mais passa a semana falando das baixarias que aconteceram na festa! Essas festas de agora não tem baixaria! É tudo muito britânico...
Não consigo me esquecer da baranga de azul que colou sua imagem em minha retina!
Não me lembro quem era, quando foi, no casamento de quem foi, só sei que foi, muito engraçado...
A cena é a seguinte:
Fim de festa, mais da metade das pessoas de bem já haviam deixado o recinto. Restavam só os bêbados, os parentes muito próximos, os que estavam interessados em levar um pratinho com petiscos para aquela “Tia” que não pode ir (conversa..) e os sem-carona (que era o meu caso). Nem os noivos estavam mais lá! Estamos falando de uma hora pós-corte do bolo.
Quem ficou tava mamado, cansado e com sono. O som ainda rolava na vitrola. Alguns dançavam sem sair do lugar e outros só marcavam o compasso com a ponta dos pés, mas no meio do salão tinha “ela”, a véia gorda! Nem tão velha, nem tão gorda, uma baranga padrão.
Vestido cor de azul calcinha colado no corpo para aparecer as formas (ou deformas?) que dava a impressão de que ia se rasgar a qualquer momento pelo excesso de tecido adiposo, maquiagem borrada pelo suor, as duas mãos para o alto e em uma delas um par de sandálias (que provavelmente lhe deixaram bolhas no calcanhar), cabelos despenteados e deformados pelo excesso de laquê Emy que lhe endureciam a franja, a lazarenta cantava com paixão um sucesso da época:
- “Vem comigo no meu barco azul... Vou te levar... Pra navegar... Nos rios da Babilônia...”.
Era uma versão piorada da Perla, uma paraguaia que ao contrario de suas conterrâneas da época, não trabalhava em zona e cantava bem.
Era o fundo do posso... Aquela baranga era fim de carreira...
Era provavelmente uma baranga mal comida que, se casada, devia estar ou desacompanhada ou à espera do marido que devia estar abraçado ao barril de chope.
E a gorda cantava e ria ao mesmo tempo de tão manguaçada que estava.
Eu não devia ter mais do que dez anos e me lembro de ter imaginado minha mãe no lugar dela... E depois eu dando uma surra de gato morto nela...
As “recepções” de hoje em dia não têm mais essas barangas cantantes. Não têm mais o discurso do sogro mamado que não se conforma com o fato de que aquele rapaz de terno ali do lado vai passara piaba no “docinho de leite” que ele criou com tanta educação. Na mente do sogro logrado, a noite de núpcias é sempre a primeira vez “dela”.
Onde estão aqueles pais inconformados que ficaram sabendo que um “moleque” acabara de bolinar sua filha num canto escuro do jardim? Invariavelmente ele iria tomar satisfação com o pai do bolinador e a coisa descambava pra discussão com a intervenção das suas respectivas esposas.
E as esposas que sentiam cheiro de biscate no ar? Biscates essas que, lógico, jogavam charme só para o seu marido. E lá ia a corna tomar “sastifação” com a piranha. E tome discussão! Legal é quando ela partia pra porrada, com direito a unhadas, puxões de cabelos, tapas na cara... Briga de mulher é o que há! Muito engraçado!
E, via de regra, termina com as duas jogando uma na cara da outra, os podres da vida inteira! Elas sabem tudo sobre a vida da oponente! Desde com quem elas haviam perdido a virgindade até com quem elas já haviam dormido, que doença venérea já pegaram...
Uma verdadeira putaria! E festa sem putaria definitivamente não é festa...
Fui a uma festa quando pequeno em que presenciei uma verdadeira disputa pela irmã mais nova da noiva. Era casamento de pobre (os que mais gosto), e em casório de desprovido a festa é na casa da noiva. Era uma festa perfeita, com batatinha e tudo! E muito aperto, muito mesmo! Quem não estava no quintal ou na rua estava pingando suor dentro da casa. Banheiro só com senha.
Fiquei postado estrategicamente no corredor de acesso a cozinha por onde, obrigatoriamente, todas as bandejas de comes e bebes teriam de passar. E o lugar era concorrido. Quem saísse não voltava mais. O negócio era ficar por lá um tempo, agüentar o calor, encher a pança e sair na rua para respirar ar puro já que a pior parte era ficar bem próximo a entrada do banheiro.
Em nome da gula, suportei sozinho aquele calvário e só depois de satisfeito, procurei o ar puro da calçada. Fiquei encostado numa Variant (que naquele tempo era carro) só observando o movimento e me deparei com uma cena bem peculiar: três rapazes brigando pelo “amor” de uma só donzela.
A donzela era a irmã caçula da noiva e de “donzela” não tinha nem o apelido. Propositalmente ela estava “vestida para matar”, Usava um vestido vermelho candomblé decotado até o umbigo com a barra da saia chegando no máximo até os joelhos. Até eu queria ela pra mim... Não fosse ela pelo menos uns dez anos mais velha do que eu...
Fui obrigado a acompanhar o desenrolar da trama que culminou com o mais feio deles levando a moçinha para uma construção próxima a casa em questão e que num futuro próximo seria um supermercado. Cada vez que entro nele lembro da moça de vermelho.
Voltei rapidamente pra muvuca, reabasteci meu copo de Tubaína, enchi um outro com bolinhas de queijo e voltei para o meu posto de observação avançado. Precisava ver o final da história.
Alguns minutos depois a donzela sai sozinha da construção toda descabelada e arrumando o vestido (o donzelo saiu depois só pra disfarçar o indisfarçável). De passagem, ela me mediu de cima a baixo como quem pensa: - “Será que esse pirralho percebeu o que aconteceu aqui?”.
Não só percebi como tive tempo de vê-la voltar para a construção, dessa vez com o rapaz da camisa marrom cocô. Eu, só comi mesmo as batatinhas...
Sinto falta daquelas festanças. Dos casórios, como eram docemente chamadas essas ocasiões. A graça dessas festas estava justamente no des-compromisso.
Talvez porque naquele tempo não havia ainda essa cobrança velada que nos obriga a nos portarmos como pseudo-celebridades em ocasiões onde a autenticidade seria o mais indicado. Nas fotos de antigamente não há registro das barbáries que presenciávamos ao vivo. Registros em vídeo eram raridades!
Nas fotos só vemos as pessoas sorrindo no começo e no meio da festa. O final, que é a melhor parte, não aparece em lugar nenhum. A hora dos bebaças é realmente o que importava! O que acontecia nas duas últimas horas é o que determinava o que ia ser comentado durante a semana e esquecido na semana seguinte. Hoje, qualquer deslize vai estar gravado para a posteridade e com um pouco de azar disponível na internet para o “mundo” todo ver.
Doces recordações que se resumiam materialmente a um pedaço de gravata que os convidados compravam para ajudar nas despesas da Lua de Mel.
Mas isso ainda não mudou por completo. Até comprei um pedaço da gravata do Sérjão!
Outras coisas continuam iguais: o cunhado, normalmente o responsável pelo leilão da gravata, continua bêbado e puxando o noivo como um cachorrinho salão afora, o convidado rapa as moedas da carteira, pois já deve ter gasto bastante com o presente, e a noiva continua com cara de tacho e não fazendo questão nenhuma de fazer de conta que está gostando da brincadeira. Se bem que dá pra tirar uma graninha ali...
Eu não passei por esse constrangimento com fins lucrativos, pois como já disse, não usei terno tampouco gravata, e minha festa se resumiu a algumas taças (de plástico) de champagne Peterlongo com um bolo de três andares, e só para os padrinhos. Nem teve batatinha! Mas aí a culpa foi minha que não quis festinha. Se eu já não gostava da idéia do casamento formalizado imagine com festa e tudo!
Mesmo assim a minha pequena casa de cinco cômodos ficou lotada de gente! Também, cinco cômodos...
O legal foi ver a padrinhada sofrendo dentro de um terno! Era início de dezembro e o calor tava de rachar mamona! Faltou cerveja pra cuecada se refrescar...
Sobrou muito bolo e champagne, que foram acabar depois de umas duas semanas...
Mas faltou a batatinha...
E a véia gorda dançando no salão...
O discurso do meu sogro...
O “Bicão”...
E a batatinha... Ahhhh, a batatinha...
sábado, 10 de maio de 2008
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