sábado, 10 de maio de 2008

“ESSAS COISAS SÓ ACONTECIAM NO ATHLÉTICO”

Se há uma coisa que só acontece no interior eu acho que é o fato de que, sabendo que todo mundo se conhece, as coisas ficam menos burocráticas.
Se você é filho de não sei quem, amigo de fulano ou parente de sicrano, sempre se dá um jeitinho de facilitar as coisas.
Como todos de uma forma ou de outra se conhecem, gentilezas é moeda corrente no nosso “way of life”.
Hoje as coisas mudaram bastante. A cidade já não tem mais os 25000 habitantes de outrora (esse número mais que dobrou!), e a migração fez com que novas famílias se incorporassem a nossa comunidade.
Mas, nos tempos da máquina de escrever e da vitrola, havia um jeito ser bem mais descompromissado.
Fazia-se vista grossa para quase tudo que não fosse extremamente prejudicial à coletividade. Parar seu carro dez minutos em cima da faixa de pedestres não dava multa, cortar mortadela com faca e segurar a peça debaixo do braço não era incomum, nem dava reclamação na Vigilância Sanitária. Vender bebidas alcóolicas para menores...
Quase tudo era permitido desde que não fosse escandalosamente ilegal.

Desde muito pequeno sou sócio de um clube, o Athlético. Posso dizer que passei a maioria de meus verões dentro dele, usufruindo de suas quadras e principalmente de sua piscina.
E era na piscina que vi coisas que só Deus não duvida, devido a sua onipresença.
Minha cidade era daquelas que tinha um médico de família que praticamente era da família. Minha geração quase inteira chegou ao mundo por suas mãos. Ele conhecia todo mundo e todo mundo o conhecia.
E esse mesmo médico era responsável pelos exames que são obrigatórios para que se possa freqüentar uma piscina.
Quando chegava o verão todos corriam para comprar sua ficha médica no clube e depois levar para o “Doutor” assinar.
Pois era aí que a coisa começava a ficar engraçada.
Compreende-se por exame médico de verão uma vistoria completa no corpo do requerente a fim de se encontrar possíveis micoses ou doenças que poderiam contaminar a água da piscina e colocar a saúde dos demais associados em risco. Isso não significa que o exame era feito seguindo-se esse padrão de conduta...
Lembro-me da primeira vez que levei minha “fichinha” para o “Doutor” assinar. Assim que me viu, ele me reconheceu. “ - Você é filho da Célia, né? Como vai sua mãe?”
E assinou a ficha sem ao menos perguntar se estava tudo bem comigo. Nem precisava. Afinal eu era filho da Célia... Assim como o amigo que me acompanhava, o Fabian era filho da Jacira, como o Charles era filho da Nice...
Nosso atestado de saúde era baseado em nossos pais!
Com o passar do tempo nem víamos mais a cara do “Doutor”. A secretária levava a “fichinha” para dentro do consultório e voltava com ela assinada, sem que ao menos se soubesse quem era o cidadão.
No auge da confiança extrema, a própria secretária assinava a “fichinha”! Tenho uma amiga que levou a tal “fichinha” para assinar e viu com os próprios olhos a secretária entrar no consultório e sair em 30 segundos com a ficha assinada. Assim que saiu de lá cruzou com o “Doutor” chegando para trabalhar...
Quando a coisa descambou mesmo, a secretária dele assinava a “fichinha” na nossa frente. Ou nos mandava procurar o “Doutor” no Bar Bacana. Ali, no balcão do bar, com uma xícara de café numa mão e uma caneta na outra, foram feitos muitos exames médicos (?).
Se o sujeito tivesse hanseníase e fosse tirar uma ficha médica, fatalmente o faria sem maiores problemas.
Por incrível que pareça, nem eu, nem meu círculo de amigos, tivemos problemas de micose ou coisas do gênero. O “Doutor” devia saber o que estava fazendo...

Hoje o clube possui uma ducha que lava o seu corpo por todos os lados antes de você entrar na piscina. São fortes jatos de água que vem do teto e das paredes laterais num corredor pelo qual você é obrigado a passar.
Quando esse sistema foi implantado eu já era um adolescente e, junto com meus amigos, sempre arrumávamos um jeito de burlar a ducha, que era fria demais.
Passávamos em disparada sem dar tempo para que ela nos atingisse ou esperávamos a responsável desligá-la para só depois passar pelo corredor. Para isso ficávamos abaixados sob o vidro em que ela visualizava se ainda havia alguém por ali.
Apesar de bastante higiênica essa ducha é realmente incômoda. Seus jatos fortes e gélidos entram no ouvido, além de lhe causar um frio daqueles! Quem gosta de chegar cedo na piscina sofre...
Mas nem sempre foi assim...
Nos tempos da televisão “valvulada”, o clube não possuía essa ducha maldita. Mas também não deixava de faltar com a higiene para com os seus.
Antes de entrar na piscina você era “obrigado” a lavar os pés numa caixa rebaixada de cimento “cheia” com cinco dedos de água! Água essa que era trocada uma vez por dia!
Lá pelas 11 da manhã a coloração da água já havia mudado umas três vezes! Dizíamos que molhávamos nossos pés naquela caixa não para limpá-los e sim para sujá-los! Era realmente lamentável...
A água da piscina era trocada uma vez por ano, no inverno. Lembrou-me que no fim do verão os azulejos laterais já haviam deixado de ser azulejos para virarem “amarelejos”, “verdelejos”...
Havia uma pequena crosta de limbo em alguns pontos! Inacreditavelmente desconheço alguém que tenha adoecido por conta disso tudo.

A fama de desleixo do clube era tão forte que num domingo, ao chegar lá, me deparei com uma família de turistas brincando com uma bóia feita com câmara de ar de pneu de caminhão! Era cômico ver aquele Donnut´s preto boiando no meio da piscina.
O “responsável” pela piscina acabou vendo-se obrigado a pedir que a pequena e discreta bóia fosse retirada. “ - Isso aqui é piscina, não é rio!”
Mijar na água tudo bem, agora bóia de pneu de caminhão já é inaceitável!
Que atire a primeira pedra quem nunca deu aquela mijadinha básica numa piscina! Só que no Athético a coisa descambava...
Tenho um amigo que pedia licença para ir ao banheiro e saía do raso para a parte funda para resolver seus “problemas”... “ - O filtro dá um jeito nisso...” – dizia o pequeno canalha.
Houve um tempo em que correu um boato, que consistia no fato, de que a diretoria havia mandado jogar um produto químico na piscina que em contato com a urina ficava vermelho delatando o mijão. Nunca vi nenhum líquido vermelho na piscina, a não ser no dia em que a Marilda menstruou de repente...

No fundo da piscina era possível encontrar de presilha de cabelo a saquinho plástico! Já encontrei moeda e um pedaço de risóles! Até bem pouco tempo atrás o bar aceitava encomenda de frango assado, que era picotado e servido nas mesas à beira da piscina!
O uso de bronzeador foi proibido há alguns anos, mas no tempo em que Variant era carro era comum ver a água marrom no fim do dia. Pior eram os bronzeadores “naturais”, feitos de urucum com óleo Johnson ou de folha de figo com Coca-Cola. Esse último mandou gente para o hospital com queimaduras horríveis pelo corpo. Definitivamente, nossa piscina só perdia em sujeira para o Rio Camandocaia, que por um acaso, passa bem ao lado do clube. Dizíamos que ao sair da piscina era bom dar um pulinho no rio para não chegar tão sujo em casa...

Nós, homens, nunca fomos obrigados a usar sunga para nadar. Bermudas eram permitidas desde que não ultrapassassem o joelho! Vi garoto nadando de bermuda jeans cortada com tesoura. Mas como aquele clube não era a “Casa da Mãe Joana” ele foi proibido fazer aquilo mais do que duas vezes! Aí já era abuso...
Em compensação vi uma senhora de bermuda vermelha e camiseta branca de propaganda política se esbaldando em nossas águas...
Nunca me esqueci daquela figura obesa saindo da água com o sutiã aparecendo sob a camisa molhada. Era a beleza, a sensualidade e a pujança da mulher athléticana a disposição de nossos olhares incrédulos...
E falando em mulheres, vale a pena citar que a molecada aguardava com ansiedade a chegada de suas musas, que não eram muitas. Barangas eram predominantes em territórios athleticanos.
Ficávamos do lado oposto ao da mulherada que ia lá só para se exibir e tomar sol e quando elas chegavam a notícia corria solta. Todos a postos em seus lugares era só esperar o momento mágico em que elas, “propositalmente”, diga-se de passagem, estendiam as toalhas com seus respectivos glúteos bem torneados virados em nossa direção.
Ouvía-se aquele “frisson” típico de adolescente seguido de comentários dos mais diversos. “ - Quem será que tá comendo, hein?” – era um dos mais comuns.
Havia os mais tarados que saíam de fininho até o banheiro e só voltavam depois de homenagear suas respectivas musas. Punheta na piscina já seria demais até para o Athlético! Se bem que conheço gente que já transou lá dentro num fim de tarde qualquer...

Mas o cúmulo da “nojentice” foi quando o “Chicão Lôco” resolveu fazer um cocozinho básico dentro da piscina média! E foi embora para sua casa antes que o “submarino” emergisse.
Assim que a obra foi descoberta, todos nós que estávamos dentro da área de piscinas, fomos impedidos de deixar o local do crime. O responsável pela limpeza se recusava a nos deixar sair enquanto não descobrisse quem era o “delinqüente fi duma puta” que havia feito aquilo!
Deu o que fazer para convencer o Carlão que o dono do torôncio era o “Chicão Lôco”! Mas ele já não estava mais lá. O que não adiantou muito, pois se ele não assumisse a autoria da obra de arte, todos nós seríamos suspensos por três meses! O Athlético era assim mesmo, rigoroso...
Como a Vigilância Sanitária não fechava o Bar Bacana, não seria no Athlético que isso iria acontecer, mas acho que hoje em dia essas coisas não passariam incólumes ao crivo de nossos fiscais.
A época era outra, o mundo era outro e o Brasil era outro! Tudo funcionava meio que “nas coxas”, mas funcionava. Coisas assim aconteciam em outros lugares também. Não sei, se com tanta constância, mas devia acontecer em todos os clubes da cidade.
E é inexplicável como tudo isso é relembrado com saudades... Escrevi essa crônica depois de passar a tarde de ontem na mesa de um bar relembrando essas “tosqueiras” com o Pavão e o Márcio.
Todos estão vivos e saudáveis até hoje, mas ainda acho incompreensível que isso tudo tenha acontecido por tanto tempo sem que se tomasse uma providência. Ao menos nos serviu para darmos boas risadas e me inspirar a mais uma crônica...

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